sábado, janeiro 26, 2008

Som na caixa, maestrina!


O corpo de Antonia é um tabu. Apesar do ritual de cortar beiço, do teste do talquinho, das três camas e uma cortina, da pele negra, cabocla, do cheiro latino, magnético sol de áries, oriente, fotogenia, peladeza em praia caribenha... Antonia rodou, pintou o sete e o quatro, e seu corpo permaneceu tabu.

Entre os índios: “me pinta, sou cerâmica!” Era sonho de Antonia, a correr com um vestido transparente e sem calcinha, pelo meio de tribos, de oca em oca, pedindo uma pincelada. Queria mesmo ser borrada de tinta, com critério, ser peça artesanal saída do barro ou da argila. Foi bater nas mãos de Anori, coisa da semana passada. O rapaz a pegou sem jeito, no meio da rampa, depois de todo o vinho e todo o queijo. Nem sinal do sonho. Nem o pelo menos, quando nada.

A rampa Antonia subia todo dia. Aula sim, aula não, subia. Gostava da faculdade até por isso – ia de rampa e não de elevador. Foi-se embora o tracajá, veio nova vinholada, e desta vez deu pinta um tal de Carama, com ares de esperteza, de que tudo sabe, cuspia melanina de tão reluzente.

Carama negão. Deu os primeiros acordes de seu samba, não sabia tanto assim, arranhou um pouco. Confundiu os seios de Antonia, da magrelinha, com algodão e quis colhê-los. Mas era simplesmente uma taça de desejo querendo se libertar da areia preta e do arco-íris cor de sangue. Sim, melodia, cantaste e Antonia ouviste. Havia ali também uma matemática, cheia de incógnitas e ao mesmo tempo rasa. A maestria, Antonia e seus dedos varetas, de regência sinfônica bitolada. Música, Antonia, música!

Carama tinha o cheiro dele. Agradava muito. Abraçava-a com ternura e força, desejo incontrolável de arrancar algo sem ferir. Apertava a própria face para dizer, não sem sofrimento, o seu prazer eterno, insano. Declarou alegria como se faz com as guerras. Ali, naquela mesma rampa, com outro vinho. Tinha medo, tinha modos, uma vontade e várias submissões diante daquele corpo. Um corpo tabu. Um corpo tábua. Tabuada.

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7 Comentários:

Às 10:13 PM , Blogger La Maya disse...

Guto, como você escreve bem, moço!

Adoro passar por aqui, sempre.

E a imagem de Antonia correndo de oca em oca, pedindo pinceladas como se seu corpo fosse arte (e acho que sim, todo corpo é arte!) me lembrou um filme de Peter Greenaway, O Livro de Cabeceira. Já viu? Lindas cenas, como as que me apareceram enquanto lia seu texto.

Beijos!

 
Às 2:35 AM , Blogger Guto Melo disse...

Lucia, mais uma vez você por aqui. Eu não vi este filme do Greenaway. Muita gente fala dele. Vou ver se alugo nesta semana para daí trocarmos impressões. Obrigado por tudo.

 
Às 3:03 PM , Blogger Thaísa Spinelli disse...

Estava descobrindo novos blogs e adorei o seu, os seus textos... Como vc escreve bem! Um abraço

 
Às 2:35 AM , Blogger Guto Melo disse...

Obrigado Thaísa. Volte sempre, será um prazer.

 
Às 9:08 AM , Blogger Claudio disse...

Muito bom o texto. Assim como a Lucia viu certa imagem, muitas outras pulam da sua narrativa.
Abração.

 
Às 5:52 AM , Blogger Berta Helena disse...

Sons e imagens na sua escrita. Fui lendo e vendo as cenas passarem perante os meus olhos. Belo texto.

 
Às 2:12 AM , Blogger L.S. Alves disse...

Gostei do texto, só não gostei do final. Mas isso é normal.
Um abraço.

 

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