sábado, março 29, 2008

Das veias de uma mulher

No início são apenas pedaços de pano de chão com a imagem de um retrato 3x4 da mulher impresso neles, uma cadeira antiga e a expectativa do público. Logo a mulher surge com uma maleta numa mão e um aparelho de som na outra, tocando o seu mantra surdo. Um rapaz a acompanha para coletar seu sangue. Ele traz uma seringa que tanto pode injetar sonhos quanto sugar arquétipos.


Todos os objetos que aparecem são pessoais e o sangue mais parece a intimidade que escorre. Um dos pedaços de pano mostra o seu rosto abortando angústias medonhas. Ao lado, o sangue pinta frustrações no tecido e logo após cristaliza. Ela recebe o olhar do público como uma compensação, já que não pode doar sangue por pesar menos de 50 quilos. Mostra-se assim não sem receios, mas confia que suas apresentações a deixam mais e mais saudável.

No ato, ela mistura o líquido vermelho com água para amolecê-lo e obter mais consistência. Daí detona um traçado firme e impulsivo, em linhas sinuosas ou retas, transfigurando o rosto estampado nas estopas. Ela se faz santa e diaba sem intenções, apenas entra e fica à vontade. Em questão de poucos minutos, seu sangue muda de cor, escurece e se aproxima do marrom. Seca.

Antes de decidir se expor, ela fez tudinho em casa. Prestou atenção no cheiro, tinha medo de dar bicho. Sim, medo de ser podre, de todos perceberem, de ser denunciada pelas moscas. Mas os olhos da platéia querem mais é se perfumar com a beleza de sua entrega. No meio do povo, alguém ousa filmar a sua apresentação. Ela já é desinibida, não se importa. Algumas semanas depois, o moço a encontra no mesmo lugar onde tudo aconteceu. Miram-se e cumprimentam-se com timidez. Ele tira uma fita da bolsa e a presenteia. Era a santa, a diaba e quem mais coubesse prolongando o seu momento. Era a memória de sua exibição.

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7 Comentários:

Às 9:13 AM , Blogger Raimundo Neto disse...

É isso: meus sumiços não justificam.
Sinto-me mudo, entende?
Sobre sangue: agora, de dois em dois meses estou lá, em um Centro que suga, fazendo bem à avó de uma amiga e aos desconhecidos.
Mas morro de medo. Desmaio no final das contas: alguns ml de sangue e muitas risadas das funcionárias.
É uma intimidade que escorre mesmo. Meu sangue não muda de cor, só sei que em poucos minutos eu seco.
Mês próximo doarei plaquetas separadamente.
Vamos ver no que dá. O que eu dou. Se serve. Se seca.
Ei! Cadê seu livro?

 
Às 3:02 PM , Anonymous Anônimo disse...

Esse sangue vermelho que escorre lentamente pelas minhas veias é morto. Não alimenta. Não oxigena. Oxida.
É sangue pisado, batido, duro, coagulado.
É sangue de certezas esmagadas por quases. É sangue de feridas abertas a ferro e fogo. É sangue pra se viver.
E é tão podre, que nem o Drácula quereria chupá-lo...

Credo! rs

Beijos.

 
Às 4:13 PM , Blogger Guto Melo disse...

Grande Rai, há quanto tempo. Olha, eu dei uma parada com os livros, mas acho que na semana que vem vou retomá-los. É que às vezes trava mesmo e o melhor é ficar quietinho.

Descobri uma coisa ontem que serve pra você também: vá no site www.mesadoeditor.com.br e você vai entender.

 
Às 4:15 PM , Blogger Guto Melo disse...

Nossa Juliana, teu comentário me deu vontade de sair correndo.

 
Às 2:36 AM , Blogger La Maya disse...

Que performance forte...

Fiquei aqui tentando compor a cena, imaginando a coragem, nos olhos da mulher, de se expor de forma assim tão visceral e sem receios.

Um dia ainda vou ser capaz de me expor assim em uma performance.
Tenho ainda tanto a crescer e tanta coragem a tomar.

E Ju, deu mesmo vontade de sair correndo...! rs

Beijos moço das palavras fortes, e boa semana!

 
Às 2:06 PM , Blogger Camilinha disse...

"Mas os olhos da platéia querem mais é se perfumar com a beleza de sua entrega."

Nossa, perdi a respiração por alguns segundos... culpa sua, Guto.

Muito lindo o texto.

beijos daqui...

 
Às 11:11 PM , Anonymous Anônimo disse...

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