segunda-feira, setembro 03, 2007

Queijinho pra mortos


Em vez de comprar frutas e queijo no supermercado, decidi fazer isso nas mãos de dois velhinhos. Frutas no Seu Mauro, que tem barraquinha montada na entrada da quadra; queijo no Mineiro, com sua lojinha simpática a poucos passos de minha casa. É uma forma de brindar dois sujeitos aparentemente encantadores e dotar de alguma pessoalidade relações que em geral costumam ser tão distantes e automáticas. Assim, uma ou duas vezes por semana, estaria assegurado um contato menos previsível, mais saboroso, e quem sabe adiante, eu virando freguês, contaríamos histórias uns para os outros.

A primeira experiência com Mauro foi em um sábado muito bonito de sol. Comprei bananas, morangos, seriguelas e pêssegos. Compra gorda, via-se pelo sorriso do velho. Mauro parece ter um defeito na perna, não chega a andar com dificuldade, mas caminha lento e arqueado. Puxo assunto.

- Há quanto tempo o senhor vende frutas?
- Desde que me aposentei, tem uns cinco anos.
- Essas frutas estão com a cara boa.
- Ele riu - E fruta tem cara?
- Parecem frescas, quis dizer.
- Sim, a cara boa é a cara da frescura – e deu outra risada, desta vez mais prolongada. Não quer levar também um limãozinho?
- Não, obrigado.
- E estas maçãs? Estão com a cara ótima.
- Não, maçã eu já tenho em casa.
- Um cajuzinho, leve também um lote de cajuzinho...
- Eu não gosto de Caju. Quanto é? – pergunto para estancar o jogo de empurra de Mauro.
- Trinta reais.

Preço salgado acrescido da chatice de insistir em que eu levasse aquilo que não queria. Melhor seria voltar a comprar frutas no supermercado, às quartas, que é quando tem promoção? Bem, aproveitei o embalo e fui ao Mineiro. Lá, comprei queijo minas e queijo manteiga. De quebra, um pote de doce de leite e outro de doce de tamarindo. Com o Mineiro, não deu nem tempo de iniciar conversa. “Prova desse quebra-queixo, é uma delícia. Não quer levar mais meio quilo do de minas não? Olha, se eu fosse você, eu levava também essa cachacinha... dizem que ela deixa o homem aceso que é uma beleza...”

Para continuar a comprar no Mauro e no Mineiro, desenvolvi uma tática muito especial. Entro na loja fingindo pressa e com ar ofegante; no caso de Mauro, chego correndo com o carro, dou uma freada brusca, saio rápido e bato a porta com bastante força. Digo tudo o que quero com uma ligeireza de fazer inveja a narradores de corrida de cavalo. Pessebanamoranguela. Eles ficam doidos, querem ser mais ágeis que a minha fala. Enquanto eles arrumam a mercadoria, calculo por alto o preço, sempre um pouco para mais. Sacola na mão, entrego a grana, lanço um “fique com o troco” e me mando a pinote.

Dia desses, depois de todo o meu ritual inventado de lufa-lufa, o Mineiro me segurou pelo braço.

- Tenho que ir ao enterro de uma grande amiga que é daqui a meia hora – disse rapidíssimo antes de ele me fazer sua oferta.
- Você não quer levar esse queijinho parmesão pra ela?

Juro que pensei em nunca mais voltar a olhar para a cara deste bom homem.

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9 Comentários:

Às 7:45 PM , Anonymous Anônimo disse...

Risos.
Guto, parece que você está de bom humor.
Que ótimo!
E esses mineiros... são fogo, né?

Beijinho sabor provolone.

P.S. Siriguela em Brasília? Hum?

 
Às 8:29 PM , Anonymous Anônimo disse...

Histórias que a vida conta.

Também tenho meus mercadinhos e quitandas e barracas preferidos...


Abraços, flores, estrelas..

.

 
Às 9:46 PM , Anonymous Anônimo disse...

ahahahhahaha fazer compra com mineiros leva tempo, Guto Melo... ahahaha

Tem que saber aprecisar o jeitim... viu? rsrs

Beijo

 
Às 9:47 PM , Anonymous Anônimo disse...

"aprecisar".. tá errado.. é apreciar rsrs

 
Às 8:35 AM , Blogger Carmim disse...

Esses dois bons homens já me renderam umas boas risadas.
Engana-se quem julga que fazer compras é um ritual simples (pelo menos não é para todos).. rss!!

Beijo.

 
Às 12:59 PM , Blogger Mineira disse...

Hahaha

Você ta se saindo bem com os moços...

Gostei da estratégia de entrar rápido e ofegante...rs

licença Guto Mello,

erika,

Pode levar tempo, mas em certos casos é bão que só vendo!...hehe

Abraços

...

 
Às 3:14 PM , Anonymous Anônimo disse...

AFF!
Enterro pra velhinho é festa menino!
Sabidinho esse, te pegou de jeito, rsss.
dias lindos
beijos

 
Às 11:02 AM , Anonymous Anônimo disse...

Putz... Hilário, bicho!
Mas isso é um contato mais pessoal. Insistência, realmente cansa.
Abração.

 
Às 7:01 AM , Blogger Raimundo Neto disse...

Ei, moço, parabéns pelo conto e poema na Revista Malagueta!

 

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