O Eterno Dugongo
Em 1982, era um moleque de sete anos. Queria torcer por uma escola de samba e a primeira que veio à cabeça foi a Boêmios de Inhaúma, por ser a do bairro. Mas a agremiação era nanica, jamais desfilara com as grandes. Mais precisamente, um bloco que só mais tarde veio a ser GRES. Afetos locais à parte, a Boêmios estava descartada. Entendia, apesar da pouca idade, que um torcedor deve fazer suar a alma em prol de monstruosas energias coletivas. Além do mais, é na corrente de almas suadas que cada torcedor, em êxtase e incontrolável, vê se deitar a glória da conquista.
Decidiu que a eleita seria aquela com o samba mais bonito. Enfeitou o coração de confete e serpentina, abraçou a Coroa Imperial e juntou-se aos Moleques de Debret. O samba de Beto Sem Braço e Aluísio Machado, antes de triunfar na avenida, desenhou uma apoteose no peito do menino, que fez Bum Bum, Paticumbum, Prugurundum com a típica força espevitada da infância. Comprou calça branca e blusa verde, boné da escola, aprendeu a cantar o samba todinho e até ensaiou alguns passos.
Decidiu que a eleita seria aquela com o samba mais bonito. Enfeitou o coração de confete e serpentina, abraçou a Coroa Imperial e juntou-se aos Moleques de Debret. O samba de Beto Sem Braço e Aluísio Machado, antes de triunfar na avenida, desenhou uma apoteose no peito do menino, que fez Bum Bum, Paticumbum, Prugurundum com a típica força espevitada da infância. Comprou calça branca e blusa verde, boné da escola, aprendeu a cantar o samba todinho e até ensaiou alguns passos.
Naquele ano a Império Serrano sagrou-se campeã do carnaval carioca. O menino acertara. Ele era, já aos sete, um campeão que de uma barrica faz uma cuíca e de outra monta um surdo para marcação. Quem é Yemanjá? – indagava na época. A mãe cujos filhos são peixes – soprou algum espírito carnavalesco. Sem hesitação, disse que queria ser um dugongo formoso, exclusivo das águas marinhas, peixe-mulher a inspirar a lenda das sereias. Ainda por cima, traria a percussão no próprio nome. Perfeito para futuros carnavais!
No entanto, de lá pra cá, a Império não ganhou mais nenhum desfile. Chegou até a ser rebaixada, mas depois se reergueu. O menino foi crescendo e criando simpatia pela Mangueira. O moço passava em frente à primeira estação toda vez que ia para o trabalho ou para a universidade. Mangueira de Cartola, pensava. Mas virar a casaca é coisa vergonhosa, de gente traiçoeira, uma deslealdade imperdoável. Condenava-se só de se refrescar com a brisa do ato.
Mas que diabo! Que super crise existencial! Tanto “um” aos sete acabou plantando a semente de quase três décadas de secura. Sua alma de homem pigarreia. Quer mais do que nunca e o mais breve embriagar-se com um título. Ser içado a um céu percussivo pelas argolas de um novo embalo, pois o passado se gasta e, por mais que se fale em tradição, não dá mais para viver às custas de um sol desbotado pelo tempo.
Ele vê a Mangueira passar na TV. Ela está insuportavelmente linda, leve e contagiante. É demais para a sua tosse. Ele não consegue admitir que o seu amor está murcho. Que o verde permanece, mas o branco é coisa a ser trocado pelo rosa.
Intrigado, desliga a TV e vai para cama. Custa a dormir e o sono é agitado. Nesta noite, ele sonha que a Sapucaí é um mar tempestuoso e ele aparece, pesando quase uma tonelada, com um par de dentes incisivos protuberantes e com unhas gigantes em lugar das nadadeiras. Enquanto as escolas desfilam, ele mergulha de narinas fechadas na avenida-mar e se alimenta de pequenas plantas um pouco abaixo da superfície. O tossidor-torcedor é o próprio dugongo, com olhos pequenos e sem pálpebras, a ver a Império passar incólume e estonteante.
Marcadores: Crônicas despenteadas, Esboços atrevidos, Histórias e invenções, Memórias, Pequenos descontroles
9 Comentários:
Onde estão os carnavais sem vitórias, com máscaras e sexo derramado entre identidades secretas e o som alto disfarçando gemidos? Bailarinas, tristes palhaços, loucos de todos os gêneros poderiam gritar desvairadamente e fora do tom sem medo de perder pontos diante dos juízes.
Dugongo não sabe.
Sabe... Esta parece a minha história. Assim como você, eu ainda moleque, me apaixonei por uma agremiação. Aquela que mais vezes tinha ganho o carnaval. Portela, do berço do samba, de Madureira... Pois eis que na era do Sambódromo, a Portela apenas dividiu um título, em 1984. Depois disso... Apenas a frustação.
Carnavais melhores virão...
Um abraço e o meu mais profundo lamento pelo Império Serrano ter sido rebaixado mais uma vez.
que festinha de carnaval interessante.. mas ainda penso que pouco importa as escolas de samba perto da alegria do povo.
Tu tá traindo a coroa imperial, rapá?
"Menino de 47
De ti
Ninguém se esquece
Serrinha, Congonha, Tamarineira
Nasceu o Império Serrano
o reizinho de Madureira"
A minha Mocidade tá na fita pra degola, ficou logo acima do valoroso Império. Aquele mesmo que "enverga mas não quebra".
Menino, que coisa mais sensível você escreveu... "belíssimo post"!
Vou torcer daqui para que os próximos carnavais do tossidor-torcedor sejam melhores...
Se as pessoas soubessem o que rola de tráfico de influência, dinheiro gordo e falcatruas nas decisões das Escolas campeãs, ninguém se importaria muito, perderia o sono ou teria pesadelos. Já houve um tempo em que eu torcia pela Mocidade de Padre Miguel por causa da bateria. Era espetacular o repicar dos tamborins. Depois todas as outras escolas passaram a imitar a batida da Mocidade. Agora, vendo a mesmice desfilar, só que com nomes diferentes, pra mim tanto faz quem ganha o quê. Ainda mais qdo a campeã é resolvida às custas de maracutaia. Nem me dou ao trabalho de ligar a TV.
(seu comentário sobre o PM quase me fez chorar... rss. Passa nas esquinas pq deixei um comment a respeito do seu)
oi guto, ótimo texto. beijos, pedrita
Dugonguto; um peixe que sonha de olhos abertos!
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