domingo, janeiro 28, 2007

Um Trago na Dúvida

Ando sentindo dores. Há anos é assim. São dores de estômago, intestino, de digestão. Às vezes minto, digo a mim mesmo que não tenho dor alguma. E às vezes acho que essa coisa alguma é livramento. Será isto mesmo? A mentira é nossa doce salvação? Tem dias que até um copo d’água me ofende. Em outros, como porco e parece que o que comi foram folhas de alface. Se fosse grave, já teria sido arruinado, pois o tempo não suaviza nestas horas. Então, o que existe de fato são insultos, afrontas e mais nada.

Convicto do meu estímulo e da minha imagem, puxo um cigarro da carteira e acendo-o. Cada cigarro que fumo é um voto de confiança em Deus. Fumo pouco, para não confiar demais. Não é por descrença. Mas sim para poder continuar desconhecendo-o e mantê-lo mistério em minha vida. Houve um tempo de eu não acreditar mais e as dores eram mais fortes. Castigo não era. Havia sim, no meu abandono, uma forma lancinante de carinho. Fumava horrores – excesso de confiança. E nesse abuso morava a minha fé abalada, fruto de uma intimidade forçada e da rispidez do impulso, já que só consigo ver Deus como ente secreto.

Nesse tempo, trabalhar era o meu calcanhar de Aquiles. Mergulhado em um rio de dúvidas, eu não tinha tempo para lavrar. Perdia horas sofrendo com as travessuras de minhas metas inatingíveis; outras horas intermináveis em querer e não querer tudo o que para mim estava feito – sim, estava lá, à minha espera, de olhos vivos e brandos e tudo o que eu conseguia fazer era não suportar. Vez por outra me punha a sentir raiva daqueles que irradiavam a sua sobranceria, das pessoas opacas que por ignorância não sabiam reconhecer esplendores.

Mas por bem, mesmo em momentos de estúpida fragilidade, se é capaz de alimentar máximas defensoras com aquilo que resta de ileso. E que tudo passa, passa. E sempre passará. Os dias teimosos insistem em negar; o princípio livre dá o sopapo que os dias merecem. Hoje as dores de digestão que sinto são trôpegas. São como visitas de saudade. Afinal, dentro de mim a fervura as atrai. Eu é que não caio mais nessa.

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8 Comentários:

Às 12:20 PM , Blogger Ruan disse...

Perdia horas sofrendo com as travessuras de minhas metas inatingíveis

acho que é isso que chamam de "sonhos" ... faz parte tê-los, alguns são atingidos, mas outros servem para abastecer o tanque da perseverança ... assim, buscamos sempre atingir o mais perto das metas, e não parece tão absurdo morrer por eles ...
=)

 
Às 12:21 PM , Blogger Ruan disse...

sobre a dor, seria insegurança para com algo?
=D

 
Às 1:36 AM , Anonymous Anônimo disse...

Dores.... eu sempre fui muito fraca para dor... não aguento.. tomo logo o remédio curador..
Mas há dores que não se curam com remédios normais, não é... há dores que nem se curam, porque as pessoas às cultivam...
É bom ter aquela dor alí a lembrar que o órgão existe...e está lá.."vivo"???!!!

É preciso desprebder-se tantas vezes.

Beijo

 
Às 3:37 AM , Blogger Guto Melo disse...

Já sofri de gastrite. Hoje não mais. As dores de digestão são uma metáfora que diz respeito a como se transforma e se assimila os alimentos que a vida dá. Sentir é nutrir-se e nós estamos digerindo o tempo todo. Esse processo para mim é doloroso porque procuro fazê-lo com honestidade. O auto-engano é um jeito que os homens encontraram de digerir sem dor.

Quanto às metas inatingíveis serem sonhos, não é bem assim. Sonhos são sem finalidade, não precisam da ânsia em atingir. São fantasias, hoje cada vez mais fáceis de serem realizadas. A meta é uma espécie de mira, de alvo. Se não se acerta nunca esse alvo, há algo de errado com a insistência. E o erro em insistir foi revelador do que há de inevitável em mim.

 
Às 11:33 AM , Anonymous Anônimo disse...

Eu ando assim, dor aqui, dor ali...

Beijos

 
Às 3:54 PM , Blogger Sun disse...

O que dói mais é esse tipo de dor. Ferida exposta é fácil de cuidar

 
Às 8:51 AM , Anonymous Anônimo disse...

Ei, Guto, seu sumido... o outro tá pensando que ele é o "de marca" e vc, o genérico. Pelo que sei, genérico é mais barato. Mas vc tá parecendo muito caro, algo assim como raríssimo de se encontrar. Também, se não é visto nas prateleiras é pq deve ser verdade. (Ui,qta besteira! rss...). Mas então, as dores da digestão serão ocasionais se a gente não assimilar tudo. Faço isso: metabolizo e jogo fora, não assimilo tudo o que a vida oferece pq às vezes é puro veneno. E veneno a gente evita com vacina: envenenou uma vez? Na segunda, a vacina age. E o que doeu hj já não dói amanhã. E por aí vai.
Qto às metas, algumas a gente persegue durante algum tempo, se podem ser viáveis. Outras, simplesmente relego à categoria de delírio. E desisto rapidinho. Tô aqui pra sofrer? Eu não! Em primeiro lugar sou honesta comigo, sabe como é? E tudo dá certo no final.
Beijos, seu fujão!

 
Às 3:01 PM , Anonymous Anônimo disse...

Salve salve...

Bela escrita... conciso e soturna (=

As dores quando deixadas de lado se calam... Mas quando acordam... Sempre é pior.
[s]s

 

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