sábado, fevereiro 20, 2010

Tempo: intuição e oração

Gaston Roupnel (1874-1946), um historiador e escritor francês, defendia a ideia de que a realidade concreta do tempo é o instante. Para ele, o que de fato importava era o presente, pois via o passado como sombra e o futuro como incerteza. Roupnel também acreditava que a sucessão de instantes conferia o sentido de duração, manifestando assim uma visão linear do tempo. O caráter de urgência que imprimimos às tarefas mais banais, o tal dito para que deixar para amanhã o que se pode fazer hoje, o espírito hedônico que manifesta constante relutância em adiar o prazer e outras condutas ditas contemporâneas mostram que, de um modo geral, o conceito de Roupnel continua atual, pelo menos quando observamos o mundo em termos práticos.

Bachelard, que era amigo de Roupnel, desmonta esse pensamento para ampliá-lo de modo muito cativante em sua obra A Intuição do Instante. Para Bachelard, por não sermos capazes de acessar todos os instantes de nossa trajetória, muito de nossa vida se apaga, proporcionando um rompimento do ser e um sentido de descontinuidade do tempo. Vai além, ao dizer que por vivermos presos ao instante acentuamos a nossa solidão, pois ao nos voltarmos para o passado nos deparamos com o abandono dos acontecimentos esquecidos; já o futuro, sendo um conjunto de instantes desconhecidos, tumultua a nossa esperança. O resultado disso no presente seria uma solidão mais profunda.

O pensamento me encanta por sua poesia e sofisticação, e creio se aplicar ainda às nossas crises de ansiedade, pois nossas expectativas também são instantâneas e, portanto, marcadas de fugacidade. Reside aí a base de nosso medo vago: tudo é assumidamente transitório, mas a vivência do tempo como algo linear é permanente. Ao cometermos esse erro, diria mesmo que se trata de uma estupidez, vamos sedimentando uma imensa barreira em relação ao tempo. Como conseqüência, suportamos mal a sua ação sobre nós, temos dificuldade em envelhecer, com manifestações do acaso, em aceitar o ritmo próprio do que a vida nos oferta ou simplesmente em sair da rotina, o que nos impõe ocupar o tempo de maneira não esquemática.

Ontem, um amigo me perguntou o que vou fazer amanhã. Eu respondi “não sei, talvez fique em casa”. Ele me falou de festas e eventos na cidade e disse que ficar em casa não era programa, mas sim perda de tempo. Eu disse a ele: meu amigo, o tempo já é perdido.

Abaixo Oração ao Tempo, uma canção de Caetano Veloso de que gosto muito. De quebra Fernanda Motta pinta o artista.






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