sábado, novembro 14, 2009

Brisas e foguetes - parte 3

Da pedreira Cantareira era possível ver o aeroporto e a serra Grajaú-Jacarepaguá. As nossas aventuras, quando meninos, aconteciam quase todas por lá. Entre um ponto e outro, uma parada para se banhar em algum brejo, com peixes mínimos colorindo a água, por vezes cristalina, por vezes salobra.

Em um dia de sol escaldante, uma boa turma escalava rumo a um dos cumes para ver os aviões pousando e decolando, levando e trazendo destinos, como gostávamos de imaginar. Para alcançar a via de acesso ao esplendor de visão desejado, tínhamos de passar por uma pedra grande e bamba, a avistar um imenso abismo abaixo de nossas coragens. A cada pisada, uma hesitação da rocha, a vida por um fio. O menino do espírito magro foi o primeiro a encarar a enorme pedra mole. Depois, o restante da dúzia.

Pelo caminho, havia muito mato, de um tipo cortante que, além de lanhar a pele deixava uma eterna coceira. A trilha estreita estendia a apreensão e, quanto mais alto se chegava, maior e mais profundo o abismo. Deley deu um grito, estava com o pé direito sangrando por ter se ferido com um espinho. Adiante, um bicho estranho nos olhava, com olhos de fome, como se fôssemos presas. Atiçou mais o nosso medo do que a pedra bamba. O bicho parecia um lobo, deu um grunhido, aproximou-se três passos. Não recuamos e passamos a andar lentamente em direção a ele. Os grunhidos foram arrefecendo, e fomos seguindo, um a um, com pedras e tocos de madeira improvisados na mão.

O próximo obstáculo seria uma espécie de fenda em “S” que nos obrigaria certo contorcionismo. Deley foi quem teve mais dificuldade, pois machucou justamente o pé de apoio na hora da curvatura necessária para impulsionar o corpo para cima. Júlia era a única menina entre nós, mais esperta e sábia que muitos de nós.

Sim, todos estavam juntos e o topo da montanha era nosso. Ao longe, as explosões das dinamites anunciavam um perigo constante, a nossa espera, em algum lugar daquele imenso território. O vento forte assanhava os cabelos de Júlia e incrementava o juízo do menino do espírito magro. O movimento charmoso de seus fios, a perda do interesse por voltar o olhar para o aeroporto, decolagens e pousos silenciosos.

A mão do menino do espírito magro lambeu a própria testa a fim de remover suor. Veio um fiapo de sobrancelha que Júlia sugeriu ser colado em seu polegar. Polegares sobrepostos: faça um pedido, mas não me conte! Os dois pensaram em algo, o fiapo ficou com Júlia. Ela solta um sorriso; o menino do espírito magro inclina-se mais em sua direção. Ela desvia o olhar – mais um avião está pousando na cidade, trazendo destinos, como gostávamos de imaginar.

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1 Comentários:

Às 6:42 AM , Blogger Gaby Anny disse...

Olá passei para conhecer e gostei. Abraços

 

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