domingo, abril 22, 2007

Foi mais ou menos assim

Mandou buscar a morena lá de Cuiabá. Tinha visto por foto e por foto mesmo ficou de pau duro. Então, mandou buscar. Ela chegou sem nem saber para o que era. Entrou numa sala cheia de objetos estranhos, que não faziam parte de seu universo de retalhos de barro. Ao fundo, o sujeito do comércio a esperava. Fez com o dedo chamando. Ela tímida ia entrando cada vez mais, pisando leve e curiosa. O sujeito do comércio lhe pediu para dançar. Ela aceitou. Dançou mas só fez dança porque sabia pisar e marcar o chão. Dali pra frente foi só corpo e tangência. Os dois se amaram assim: entre o mistério, a loucura e a carne.

Depois foi dia-a-dia. Sexo rotina. Dois, três, quatro meses e o sujeito do comércio enjoou. Mandou voltar como mandou buscar. A morena não entendia, só obedecia. E voltou. Seus retalhos passaram a ser arredios e no peito nasceu a saudade pelos objetos daquela sala, que nem foram deixados por ela, mas a moça aprendeu a admirar. As flores sorriam, os sonhos murchavam antes das flores. Acabou, acabou o que nem ela compreendia ter havido. Haver? É verbo que não se move na terceira pessoa.

O sujeito do comércio ciscou. Ciscou, ciscou, ciscou e não encontrou nada que o deixasse satisfeito. Então mandou buscar de novo. E veio a morena. Passagem paga. De Cuiabá para Rocha Miranda. Mas desta vez veio preparada. Não se cuidou e veio a filha. O sujeito do comércio disse não, não é minha. Mandou a morena de volta, barriguda e triste.

A morena não processou, não fez quizumba nem arruaça. Mandou fotos da menina pelo celular. O sujeito ouvia dos amigos conselhos para o bem e para o mal. Alguém disse: vai lá, faz exame de DNA. Conforme for o resultado você reconhece. Não. Não é meu, não é meu, não é meu! Nada de fazer exame de porra nenhuma!

Outras fotos foram chegando e cada vez que ele via a menina pelo celular o coração ia amolecendo. Decidiu viajar, não para fazer teste de DNA, mas para olhar a cara da pirralha. Estava firme: se tivesse a fisionomia parecida com a sua assumiria; se não, abandono e nunca mais.

Pousou em Cuiabá. Viu a morena, ressabiada e desejosa. Viu a pequena no colo sorridente e babando. Reparou bem que a orelha era igual - de não se tirar nem pôr - a dele. Neste momento reconheceu: é minha! E passou a pagar pensão.

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17 Comentários:

Às 12:01 AM , Anonymous Anônimo disse...

Gostei do estilo.
:)

 
Às 6:42 AM , Blogger Beatrice disse...

Morena boba...

Deliciosa história.

 
Às 4:02 PM , Blogger Jane Malaquias disse...

Amarra-se o burro na orelha do dono, já dizia minha mãe.
Gostei do final feliz.

 
Às 7:20 AM , Anonymous Anônimo disse...

Nos seus textos sempre muitas imagens e deliciosas surpresas...
Meu abraço!

 
Às 11:00 AM , Blogger Guto Melo disse...

Grande Rodrigo. Prazer tê-lo aqui e volte mais vezes.

 
Às 12:28 AM , Anonymous Anônimo disse...

Uma orelha pode ser a diferença entre a felicidade e tristeza. Nada como se conhecer. Ou melhor, se reconhecer.
Abraços.

DB.

 
Às 4:16 AM , Blogger Suzi disse...

Há morenas assim.
Há morenas malandras.
Há homens do comércio assim.
Seriam todos??


Guto,
vim retribuir sua carinhosa visita.
Por lá, as portas ficam abertas o dia inteiro, noite afora, madrugada adentro. É ir chegando, sentando, papeando, rindo ou chorando, conforme o humor.
;o)

Beijo e bom dia!

 
Às 5:03 AM , Blogger Alê Quites disse...

Salve o corriqueiro!
Beijos

 
Às 7:03 AM , Anonymous Anônimo disse...

Uma colagem de imagens que nos faz viajar na trama.Porém, desconfio deste reconhecimento, baseado apenas na pensão.
Abração.

 
Às 7:46 AM , Blogger Raimundo Neto disse...

Mais um com excelência: dia-a-dia com estilo.

Peixe que se debate na rede... nunca tinha pensado isso sobre mim/o que escrevo.

Obrigado pela presença.

 
Às 12:49 PM , Blogger Ly disse...

Rolando de rir aqui..."pagar pensão". Penso que sou a única mulher que acha isso estranho...E essa história não é a minha mas poderia ser...tive uma filha com um cara super moreno, que nasceu quase loira, mas ele sempre disse que era dele...é meu pé e a minha testa...depois da filha namoramos 8 anos, não deu certo....mas ele continua pai firme e forte. A pensão?... Ele paga qdo pode e se pode...(hoje em dia, ela já tem 11 anos e cobra uma taxa dele, pros créditos no celular, kkkkkk)...Sou um tanto diferente, mas penso que ele me deu o maior presente da minha vida, pq vou brigar por grana?...A mulhereda complicada demais....

bjs

boa semana

Ly

 
Às 5:34 PM , Blogger Sobre tudo e nada ao mesmo tempo disse...

Gostei da historia !!!


beijos


Paulinha

 
Às 7:52 PM , Blogger Dono do Bar disse...

Juro que vou tentar, Guto! Queria escrever feito você!

Abraços.
DB.

 
Às 8:00 PM , Blogger Cau Alexandre disse...

Chegando de mansinho... vinda por caminhos traçados desde o blog do "mundo novo" do Raimundo Neto e encontrando aqui um texto tão espetacularmente cru (no melhor dos sentidos).
Muito interessante sua escrita, sua forma de desenhar em palavras atos e atitudes tão usuais por esse mundão.
E a Morena? Ah... quem resiste a uma saudade?
E as orelhas? Já sabia-se igual antes mesmo de aportar...
Vai-se entender o coração.

Gostei de ler... bom de ficar.

P.S.: Linkei-o no Mar de Palavras... facilita meu 'trânsito' até aqui. Espero que não se importe.

Beijo

;o)

 
Às 10:18 PM , Blogger Guto Melo disse...

Me importar? Claro que não. Fico é grato pelas palavras doces e por agora ser um link seu. A casa está aberta.

 
Às 10:17 AM , Blogger Flavio Vaz disse...

Cara, como dizia a minha vó, a maternidade é uma certeza e a paternidade uma eterna dúvida. Pago pensão porque tenho certeza que meu filho é meu mesmo, senão fosse assim não pagaria, até mesmo porque fui casado e coisa e tal e passei por todos os tramites que mandam a boa conduta de sociabilidade. Quando o casamento acabou, me divorciei e mandei tudo pra puta que pariu. :)
Abraços.

 
Às 4:53 PM , Anonymous Anônimo disse...

Guto.
É assim ó. Tenho lido muita gente nova.
A maioria ruim.
Por isso eu me pergunto (de novo) por que diabos eu demoro tanto de voltar aqui.

Adorei o começo do texto. Pouca gente pode escrever "pau duro" sem ficar ridículo.
E, bom ver um texto terminar com ironia culpada.

 

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