Foi mais ou menos assim
Mandou buscar a morena lá de Cuiabá. Tinha visto por foto e por foto mesmo ficou de pau duro. Então, mandou buscar. Ela chegou sem nem saber para o que era. Entrou numa sala cheia de objetos estranhos, que não faziam parte de seu universo de retalhos de barro. Ao fundo, o sujeito do comércio a esperava. Fez com o dedo chamando. Ela tímida ia entrando cada vez mais, pisando leve e curiosa. O sujeito do comércio lhe pediu para dançar. Ela aceitou. Dançou mas só fez dança porque sabia pisar e marcar o chão. Dali pra frente foi só corpo e tangência. Os dois se amaram assim: entre o mistério, a loucura e a carne.
Depois foi dia-a-dia. Sexo rotina. Dois, três, quatro meses e o sujeito do comércio enjoou. Mandou voltar como mandou buscar. A morena não entendia, só obedecia. E voltou. Seus retalhos passaram a ser arredios e no peito nasceu a saudade pelos objetos daquela sala, que nem foram deixados por ela, mas a moça aprendeu a admirar. As flores sorriam, os sonhos murchavam antes das flores. Acabou, acabou o que nem ela compreendia ter havido. Haver? É verbo que não se move na terceira pessoa.
O sujeito do comércio ciscou. Ciscou, ciscou, ciscou e não encontrou nada que o deixasse satisfeito. Então mandou buscar de novo. E veio a morena. Passagem paga. De Cuiabá para Rocha Miranda. Mas desta vez veio preparada. Não se cuidou e veio a filha. O sujeito do comércio disse não, não é minha. Mandou a morena de volta, barriguda e triste.
A morena não processou, não fez quizumba nem arruaça. Mandou fotos da menina pelo celular. O sujeito ouvia dos amigos conselhos para o bem e para o mal. Alguém disse: vai lá, faz exame de DNA. Conforme for o resultado você reconhece. Não. Não é meu, não é meu, não é meu! Nada de fazer exame de porra nenhuma!
Outras fotos foram chegando e cada vez que ele via a menina pelo celular o coração ia amolecendo. Decidiu viajar, não para fazer teste de DNA, mas para olhar a cara da pirralha. Estava firme: se tivesse a fisionomia parecida com a sua assumiria; se não, abandono e nunca mais.
Pousou em Cuiabá. Viu a morena, ressabiada e desejosa. Viu a pequena no colo sorridente e babando. Reparou bem que a orelha era igual - de não se tirar nem pôr - a dele. Neste momento reconheceu: é minha! E passou a pagar pensão.
Marcadores: Cotidiano, Histórias e invenções
17 Comentários:
Gostei do estilo.
:)
Morena boba...
Deliciosa história.
Amarra-se o burro na orelha do dono, já dizia minha mãe.
Gostei do final feliz.
Nos seus textos sempre muitas imagens e deliciosas surpresas...
Meu abraço!
Grande Rodrigo. Prazer tê-lo aqui e volte mais vezes.
Uma orelha pode ser a diferença entre a felicidade e tristeza. Nada como se conhecer. Ou melhor, se reconhecer.
Abraços.
DB.
Há morenas assim.
Há morenas malandras.
Há homens do comércio assim.
Seriam todos??
Guto,
vim retribuir sua carinhosa visita.
Por lá, as portas ficam abertas o dia inteiro, noite afora, madrugada adentro. É ir chegando, sentando, papeando, rindo ou chorando, conforme o humor.
;o)
Beijo e bom dia!
Salve o corriqueiro!
Beijos
Uma colagem de imagens que nos faz viajar na trama.Porém, desconfio deste reconhecimento, baseado apenas na pensão.
Abração.
Mais um com excelência: dia-a-dia com estilo.
Peixe que se debate na rede... nunca tinha pensado isso sobre mim/o que escrevo.
Obrigado pela presença.
Rolando de rir aqui..."pagar pensão". Penso que sou a única mulher que acha isso estranho...E essa história não é a minha mas poderia ser...tive uma filha com um cara super moreno, que nasceu quase loira, mas ele sempre disse que era dele...é meu pé e a minha testa...depois da filha namoramos 8 anos, não deu certo....mas ele continua pai firme e forte. A pensão?... Ele paga qdo pode e se pode...(hoje em dia, ela já tem 11 anos e cobra uma taxa dele, pros créditos no celular, kkkkkk)...Sou um tanto diferente, mas penso que ele me deu o maior presente da minha vida, pq vou brigar por grana?...A mulhereda complicada demais....
bjs
boa semana
Ly
Gostei da historia !!!
beijos
Paulinha
Juro que vou tentar, Guto! Queria escrever feito você!
Abraços.
DB.
Chegando de mansinho... vinda por caminhos traçados desde o blog do "mundo novo" do Raimundo Neto e encontrando aqui um texto tão espetacularmente cru (no melhor dos sentidos).
Muito interessante sua escrita, sua forma de desenhar em palavras atos e atitudes tão usuais por esse mundão.
E a Morena? Ah... quem resiste a uma saudade?
E as orelhas? Já sabia-se igual antes mesmo de aportar...
Vai-se entender o coração.
Gostei de ler... bom de ficar.
P.S.: Linkei-o no Mar de Palavras... facilita meu 'trânsito' até aqui. Espero que não se importe.
Beijo
;o)
Me importar? Claro que não. Fico é grato pelas palavras doces e por agora ser um link seu. A casa está aberta.
Cara, como dizia a minha vó, a maternidade é uma certeza e a paternidade uma eterna dúvida. Pago pensão porque tenho certeza que meu filho é meu mesmo, senão fosse assim não pagaria, até mesmo porque fui casado e coisa e tal e passei por todos os tramites que mandam a boa conduta de sociabilidade. Quando o casamento acabou, me divorciei e mandei tudo pra puta que pariu. :)
Abraços.
Guto.
É assim ó. Tenho lido muita gente nova.
A maioria ruim.
Por isso eu me pergunto (de novo) por que diabos eu demoro tanto de voltar aqui.
Adorei o começo do texto. Pouca gente pode escrever "pau duro" sem ficar ridículo.
E, bom ver um texto terminar com ironia culpada.
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