quarta-feira, novembro 22, 2006

Ter um Filho

Eu ainda não sou pai. E não sei dizer até que ponto eu quis ter um filho. Mas vejo filho como uma maravilha, uma especialidade. Algo que pode ser feito sem ter de se lançar mão de grandes esforços. Pode acontecer preguiçosamente, na delícia do corpo estirado. Sem a paranóia da espera, embora se espere. Em perspectiva franzina, em gozo não reticente, iluminado pelo sol da entrega.

Se tivesse um, eu me enrolaria com ele pelo chão da casa e me empapuçaria todo dele, do odor dele, da saliva, seus impulsos, sua alegria anfitriã. Como estou em Brasília hoje e posso ter um rebento candango, poderíamos nos estampar na grama como dísticos a sorrir metáforas para o universo. Deixaria que ele me arremessasse ao espaço com a fúria de quem nasceu recentemente e não sabe muita coisa sobre o mundo. De olhos arregalados, o pequeno monstro me engoliria com seus tentáculos de invenção.

Minha mulher vai fazer 44 anos no próximo sábado. Ela também nunca foi mãe. Leu em algum canto que as grávidas com mais de 40 tem quatro vezes mais chances de chegar aos cem anos. Seu plano de longevidade tem como meta os 120. Ter neném a essa altura pode dar uma força e tanto. E olha, minha anima vagula, não é nada vagabunda essa super renovação. Quem sabe o Deus-gameta atende a tua fantasia.

Mas desejo não basta, suponho. Tem de haver uma oração daquelas. A sábia ignorãça de Manoel de Barros nos dá uma dica de fé: “No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: eu escuto a cor dos passarinhos. A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som. Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira. E pois. Em poesia que é voz de poetas, que é voz de fazer nascimentos – o verbo tem que pegar delírio”.

O verbo, no caso, é engravidar.

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8 Comentários:

Às 12:11 PM , Anonymous Anônimo disse...

Gostei. Bem legal. Rolar com os filhos pelo chão da casa é o que todos os pais deveriam fazer.

 
Às 11:15 AM , Blogger LEMINSKYLAND disse...

será que vem um vagulinha de luxúria por aí?

 
Às 11:25 AM , Blogger Guto Melo disse...

Queremos, querido. Queremos!

 
Às 4:11 AM , Anonymous Anônimo disse...

O quê? mãe? Meus olhos sorvem as tuas palavras

 
Às 8:47 AM , Blogger Edgar Aristimunho disse...

Guto,
Grande abraço pelo bonito texto. Viajei por galáxias, imaginei idades, vi poesia.
Um texto emociona quando ele propõe essas e outras sensações.
Voltarei aqui, eu também, um viajante da luxúria.

 
Às 8:47 AM , Blogger Edgar Aristimunho disse...

Guto,
Grande abraço pelo bonito texto. Viajei por galáxias, imaginei idades, vi poesia.
Um texto emociona quando ele propõe essas e outras sensações.
Voltarei aqui, eu também, um viajante da luxúria.

 
Às 8:51 AM , Blogger Edgar Aristimunho disse...

De novo.
Impossível não comentar a excepcionalidade das palavras ditas abaixo do nome do teu blog:
"pequenos descontroles" e "incontinência existencial"...só isso basta para pensar dias e dias.

 
Às 2:24 AM , Blogger L.S. Alves disse...

Filhos!
São um amor que não se consegue medir. Tudo que dá pra saber é que esse amor é grande, muito grande.

 

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