O silêncio e a navalha
Estavam todas felizes, risonhas, palavras saltitantes em bocas carnudas mesmo quando tinham os lábios finos. O assunto era a vida de todos, mas não se tratava de fofoca. Uma celebração acontecia, uma exaltação da alegria de viver, da doçura em estar desperta e atenta ao que se oferece. Vivian, filha de Rosa, já estava fazendo um pão de abóbora melhor que o da mãe. Joísa esperava um bebê, para a glória rechonchuda de Henriquieta. Finalmente, avó! A flacidez da bochecha chega desaparecia.
Deda dava as boas do marido, que respondia bem ao tratamento contra o alcoolismo. Três meses sem uma gota, nem parecia verdade. Falava enquanto metia a tesoura no cabelo de Chicória, a única para a qual olhavam com certo estranhamento. Ela havia deixado o seu homem, tão cobiçado por todas, tão elogiado pela fineza e educação. Carlinhos, além de sempre sorridente e amável, era cheiroso, fazia as unhas, passava creme para hidratar a pele seca. Quem seria louca de deixar uma raridade dessas?
Chicória. Não só o deixou como o sepultou. Para todas que se aproximavam, querendo bulir em seu íntimo, dava a mesma resposta: o silêncio. Ninguém conseguia arrancar uma mínima confissão. Seguia a conversa animada, vez em quando um rabo de olho para Chicória, indagativo, perscrutador. Deda caprichava no visual da mulher que um pio não dava.
Deda dava as boas do marido, que respondia bem ao tratamento contra o alcoolismo. Três meses sem uma gota, nem parecia verdade. Falava enquanto metia a tesoura no cabelo de Chicória, a única para a qual olhavam com certo estranhamento. Ela havia deixado o seu homem, tão cobiçado por todas, tão elogiado pela fineza e educação. Carlinhos, além de sempre sorridente e amável, era cheiroso, fazia as unhas, passava creme para hidratar a pele seca. Quem seria louca de deixar uma raridade dessas?
Chicória. Não só o deixou como o sepultou. Para todas que se aproximavam, querendo bulir em seu íntimo, dava a mesma resposta: o silêncio. Ninguém conseguia arrancar uma mínima confissão. Seguia a conversa animada, vez em quando um rabo de olho para Chicória, indagativo, perscrutador. Deda caprichava no visual da mulher que um pio não dava.
Um estrondo se ouviu na porta. O marido de Deda havia tido uma recaída e gritava pelo dinheiro da mulher. Deda dizia não dou e levava um bofetão no rosto em resposta. A essa altura, todas já tinham se picado dali. O homem insistia, gritava e batia até que a palavra dinheiro foi interrompida pela navalha que atravessou a sua jugular. Podemos voltar ao ponto onde paramos? – perguntava Chicória, segurando o instrumento que sacara do assoalho.
Marcadores: Histórias e invenções, Pequenos descontroles
1 Comentários:
Os pequenos (e grandes) dramas de um cotidiano escondido pela falsa felicidade de ser o que não se é.
O silêncio.
E o cheiro azedo do sangue na navalha...
Guto, estou por aqui. Eu, os ipês e a terra vermelha. Sem o seu e-mail.
Escreve pra mim se puder.
Beijo.
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial