Maria e Zach
O filme tem um bom começo, com a partida de Maria Antonieta. Ela deixa a Áustria para se casar com o delfim francês Luís Augusto, futuro Rei Luís XVI, e dessa forma selar a aliança entre os dois países. Na corte, mergulha em um ambiente repleto de rituais inúteis e gente maledicente, tendo dificuldade para se adaptar. Como sua principal função é gerar novos Dauphines, algo que demora mais de uma década para acontecer, Maria Antonieta se torna vítima de piadas e sua permanência na corte é o tempo todo ameaçada. Insatisfeita e solitária, ela cria um mundo à parte, regado à diversão e fantasia, para poder suportar a chatice e a rigidez de Versalhes.
A personagem parece robusta em seu silêncio protetor, na forma subterrânea como processa seu desencanto e fabrica instantes de alegria. No entanto, vai perdendo força ao longo da história. Se de fato, Maria Antonieta organizava eventos em seu Petit Trianon e era chegada às festas parisienses (gastou horrores em vestidos e na manutenção de seu palácio), por outro lado se interessou por filosofia, política e história, mostrando curiosidade por questões de Estado. No filme, a correspondência com a mãe é meramente um pretexto para reforçar a falta de garantia de seu posto, contudo poderia ser um modo de realçar seus dilemas juvenis. Mas o filme morre mesmo é no final, ao dispensar três elementos que certamente dariam mais intensidade à proposta da autora: Maria Antonieta perdeu seus filhos, foi acusada de incesto e carregada para o local de execução dentro de uma gaiola. Nada disso foi mostrado. Para completar, a trilha sonora não ajuda a personagem a crescer. Ao contrário, cria um ruído que a encolhe.
A presença constante da música, outro momento é Bowie no quarto de Zach, nos remete à imagem do disco quebrado, que tem o mesmo título do filme e da família. C.R.A.Z.Y é formado pelas iniciais dos irmãos - Christian, Raymond, Antoine, Zachary e Yvan. Em torno de um ponto central, o filme parece afirmar que aquela família “maluca” é uma espécie de disco quebrado que continua tocando.
Esse disco toca o sofrimento vindo da não aceitação, a repressão como um algoz da alegria, a incomunicabilidade entre pessoas que verdadeiramente se amam, a capacidade de renúncia como um ato de generosidade. E toca um hit-indagação: é possível amar a ponto de entregar algo que não se tem para dar? E um outro, refrato: a homossexualidade de Zach é mais uma perturbação do que uma vivência física, enquanto a recusa do pai em conformar-se com um filho gay é muito mais algo concreto que uma perturbação. E depois ainda dizem por aí que dois bicudos não se beijam.
Marcadores: cinema
2 Comentários:
E se não existissem trilhas sonoras... o que seria feito das nossas lembranças?
Acho que tudo funciona como aquelas musiquinhas de química que nos ajudavam a decorar as fórmulas e tabelas lá no segundo grau...
Eram chatas, mas funcionaram. Cada qual com sua trilha sonora...
Nem sei se tem a ver com o post, mas lembrei disso... rs
beijos daqui... e bom final de semana!
Oi, Guto.
Bom ver você escrevendo sobre filmes.
Mais ainda falando de trilhas sonoras.
Eu assisti a Crazy há mais ou menos um ano. Quase surtei com a trilha. Recomendei pra milhares de gentes. Ninguém viu. Acredita?
A cena do quarto enquanto ele canta, a capa do "disco" do Pink Floyd pintada na parede, os conflitos existenciais permeados de música, tudo, tudo contribuiu para que eu gostasse do filme.
O mesmo aconteceu com As virgens suicidadas. Eu fiquei até o final dos créditos pra saber de quem eram as músicas. Quando li "Air", nem acreditei. Tenho algumas músicas até hoje.
Beijos em você.
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