quarta-feira, abril 23, 2008

São seus olhos


Até onde a vista alcança? Em O Ensaio sobre a Cegueira, Saramago chama a atenção para a responsabilidade de ter olhos. De fato, não ver é o nosso fingimento mais constante. Em contrapartida, talvez por não suportarmos tanta visão, nos cegamos um pouco. É para resistir ou para fingir que desistimos de nossos olhos?

Se ver resulta daquilo que se deseja como desenho para a própria vida, constrói-se um sentido imperativo para o olhar, ao mesmo tempo alimentado pelas castanhas da ilusão e em total despreparo para surpresas. Ver passa a ser uma espécie de túmulo, onde enterramos toda a possibilidade de desarrumação.

Uma vez, uma amiga chamada Matilde disse ter visto uma grande sombra em meus olhos, como se quisesse dar um sentido de névoa, de peso. Passou horas me perguntando o que se passava comigo, insistia em dizer que escondia algo de sua fina percepção. Se sombra havia em meu olhar, esta era a do descanso. Não há com o que se preocupar – minha serenidade concisa não satisfez a ansiedade que os olhos de Matilde projetavam.

Foi ela quem me ensinou que, mesmo as pessoas mais próximas são distantes e, por haver distância, às vezes enganamos sem a menor das intenções.

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quarta-feira, abril 16, 2008

Cifras de um mapa


Coração compassivo deixa a sua marca no mundo. Gênio guerreiro se projeta. Os compromissos não chegam porque há uma senhora sabedoria de resistir a pressões externas. E tem gente que diz ser a danada da preguiça. São tão míopes os fofoqueiros!

O profundo desejo de franqueza, honra e dignidade não pode sucumbir a chamados inúteis. Ao mesmo tempo, evidencia-se o jardim secreto, mente insanoculta, privacidade envenenada. O ódio que a ocupa assegura alguma crueldade. E a deixa feliz, feliz, feliz. Como pode?

Bem, se o sol é forte em ti e a lua é débil, melhor ser do dia. Passe a dormir mais cedo e a ler de manhã. Olhe nos olhos do alvorecer, cuspa na cara da noite. Sim, pois tudo pode falhar, exceto o processo de escolha.

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quinta-feira, abril 10, 2008

Hálito-furacão

Talentos especialíssimos, desagarrem-se! Há tártaros em seus sisos sem função. O espelho zomba ao mostrar um rosto repleto de covas, túmulos do universo. Então, não é esta a recompensa desejada. Por isso, talentos especialíssimos, renovem-se e manifestem o divino que há em suas veias. Reforcem os dias que, robustos, irão chacoalhar o destino.


Atuem no que for preciso nutrir, para que o ânimo seja suficiente. Cavar um poço não é mole. Há de se ter braço, muito braço, e sabedoria para escolher o lugar certo. Abundância, poço, China... Talentos, só é necessário sentir o hálito-furacão de seus teores. Só isso e mais nada.

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quinta-feira, abril 03, 2008

Uma boa surra kigô não dá

Sim, a vida caçoa. Não posso acreditar que tanta falta de senso do ridículo passaria assim incólume. Mais uma vez paralisias se insinuam, os dedos ficam lentos, os neurônios mordidos.


Hoje fiz uns haicais no estilo tradicional, esquema 5-7-5, sem título, sem rima e com kigô. Apresentei-os à minha amada, que disse não ter visto o achado poético. O que conta é a cena, a poesia está na coisa em si - retruquei. Sem graça, ou talvez nós sejamos farelos do oriente.

Bem, eu sempre gostei das imagens que pulam, dos símbolos travessos, da união safada entre as palavras, deste êxtase que vem da ausência de compromisso em dizer (perdoe-me, Graciliano!). Há nisso uma atitude barroca, esculachada, um quê excitante. Palavras que se lambem e se querem ardentemente. E quando elas me pegam do seu modo todo violento – xingam, cospem, batem na minha cara... Aí é que eu gosto. Aí é que eu gosto mesmo!


E os haicais? Ou os jogo fora ou arrumo um jeito de ganhar dinheiro com eles. Porque surra mesmo, que é o que eu ando precisando, kigô nenhum vai me dar não.

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