A divina natureza das coisas
Quando tivermos reduzido o máximo possível as servidões inúteis, evitado as desgraças desnecessárias, restará sempre, para manter vivas as virtudes heróicas do homem, a longa série de males verdadeiros: a morte, a velhice, as doenças incuráveis, o amor não partilhado, a amizade rejeitada ou traída, a mediocridade de uma vida menos vasta do que nossos projetos e mais enevoada do que nossos sonhos. Enfim, todas as desventuras causadas pela divina natureza das coisas.
Memórias de Adriano - Marguerite Yourcenar
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7 Comentários:
"Todas as desventuras causadas pela não-tão-divina natureza do ego."
Abs
Bárbara, quanto tempo não te vejo por aqui. Fico contente.
O breve trecho destacado do livro diz respeito a algo com que me identifico muito.
Acho que nossas virtudes e nossa capacidade de superação são ressaltadas quando estamos diante de grandes perdas. E, em geral, temos muita dificuldade com elas porque costumamos dar importância a coisas pequenas. Temos dificuldade, por exemplo, de compreender que uma doença incurável é divina, o combate a ela escapa ao homem, que não consegue compreender seus mecanismos e por isso não tem êxito em saná-la. Uma doença incurável é um mistério e tem a sua beleza. Como mistério, não pode ser vencida, pois mistérios não se vencem. Ela torna explícita para nós o nosso engano, a nossa miséria, fere o nosso desejo de imortalidade, nos destitui de nossa força. Tudo isso é de uma grandiosidade...
No geral, e falo como mero observador (de dentro ou de fora), percebo que muitos males são inventados, para que possamos nos sentir em constante luta. A maioria dos conflitos é inútil, a maioria das brigas é forjada. Ao viver o que é desnecessário, criamos uma servidão, um vício, e jogamos nossas virtudes na lama. E, diante dos males essenciais, ficamos pávidos, como criança em um quarto escuro, por absoluta estupidez do espírito.
Um abraço pra você também!
GM
Amei teu comentário. Muito bom encontrar algo mais profundo num universo tão novo e efêmero quanto é a web.
Também gostei do texto, achei que ele traz aos nossos olhos a capacidade inventiva que temos, as alegorias que criamos, as alegorias que criamos enquanto ego, pois foi isso que quis dizer em meu comentário. Pois como espírito (e essa é uma fé absolutamente particular, bem como o comentário), nada dessas coisas existem. Morte, doenças, velhice, dualidades... Porém, enquanto ser identificável, todas essas coisas são aterrorizantes e constituem obstáculos a serem superados para uma ilusória sobrevivência.
Por isso, a frase a respeito das deventuras causadas pelo ego.
Obrigada!
Querida, eu é que agradeço. Tenho enorme prazer em falar sobre essas coisas. E sua participação é sempre bem-vinda!
Na verdade, no final resta apenas aquelo que realmente somos...
Abração
Guto, adoro Memórias de Adriano.
E como não tenho mais o que dizer sobre isso, deixo um trechinho de "A obra em negro", de Yourcenar.
Vale lembrar que o nome do livro é alusão à alquimia.
Beijos.
"O essencial era que suas libertinagens, assim como suas ambições, haviam sido, em suma episódicas, como se lhe fosse natural esgotar rapidamente o que as paixões podiam dar ou ensinar. O estranho magma que os pregadores designavam como o termo, de modo alguma mal escolhido, luxúria (pois bem que se tratava, parece, de uma exuberância da carne a exaurir suas forças), desafiava o exame pela diversidade de substâncias que o compunham e que, por sua vez, se fragmentavam em outros elementos poucos simples. O amor aí se incluía, talvez mais raramente do que se dizia, mas o próprio amor não era uma noção pura. Esse mundo dito de baixo se comunicava com o de mais tênue na natureza humana. Assim como a mais crassa ambição era ainda um sonho do espírito que se esforça por harmonizar ou modificar as coisas, a carne em sua audácias fazia suas as curiosidades do espírito e fabulava como lhe aprouvesse fazê-lo: o vinho da luxúria extraía sua força dos sumos da alma com a mesma destreza de que se valia para sugar os do corpo".
Uma das minhas paixões: Marguerite!
Excelente livro!
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