terça-feira, outubro 16, 2007

A divina natureza das coisas

Quando tivermos reduzido o máximo possível as servidões inúteis, evitado as desgraças desnecessárias, restará sempre, para manter vivas as virtudes heróicas do homem, a longa série de males verdadeiros: a morte, a velhice, as doenças incuráveis, o amor não partilhado, a amizade rejeitada ou traída, a mediocridade de uma vida menos vasta do que nossos projetos e mais enevoada do que nossos sonhos. Enfim, todas as desventuras causadas pela divina natureza das coisas.

Memórias de Adriano - Marguerite Yourcenar

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7 Comentários:

Às 2:37 AM , Blogger Beatrice disse...

"Todas as desventuras causadas pela não-tão-divina natureza do ego."

Abs

 
Às 6:17 AM , Blogger Guto Melo disse...

Bárbara, quanto tempo não te vejo por aqui. Fico contente.

O breve trecho destacado do livro diz respeito a algo com que me identifico muito.
Acho que nossas virtudes e nossa capacidade de superação são ressaltadas quando estamos diante de grandes perdas. E, em geral, temos muita dificuldade com elas porque costumamos dar importância a coisas pequenas. Temos dificuldade, por exemplo, de compreender que uma doença incurável é divina, o combate a ela escapa ao homem, que não consegue compreender seus mecanismos e por isso não tem êxito em saná-la. Uma doença incurável é um mistério e tem a sua beleza. Como mistério, não pode ser vencida, pois mistérios não se vencem. Ela torna explícita para nós o nosso engano, a nossa miséria, fere o nosso desejo de imortalidade, nos destitui de nossa força. Tudo isso é de uma grandiosidade...

No geral, e falo como mero observador (de dentro ou de fora), percebo que muitos males são inventados, para que possamos nos sentir em constante luta. A maioria dos conflitos é inútil, a maioria das brigas é forjada. Ao viver o que é desnecessário, criamos uma servidão, um vício, e jogamos nossas virtudes na lama. E, diante dos males essenciais, ficamos pávidos, como criança em um quarto escuro, por absoluta estupidez do espírito.

Um abraço pra você também!

GM

 
Às 1:12 PM , Blogger Beatrice disse...

Amei teu comentário. Muito bom encontrar algo mais profundo num universo tão novo e efêmero quanto é a web.

Também gostei do texto, achei que ele traz aos nossos olhos a capacidade inventiva que temos, as alegorias que criamos, as alegorias que criamos enquanto ego, pois foi isso que quis dizer em meu comentário. Pois como espírito (e essa é uma fé absolutamente particular, bem como o comentário), nada dessas coisas existem. Morte, doenças, velhice, dualidades... Porém, enquanto ser identificável, todas essas coisas são aterrorizantes e constituem obstáculos a serem superados para uma ilusória sobrevivência.
Por isso, a frase a respeito das deventuras causadas pelo ego.

Obrigada!

 
Às 3:22 PM , Blogger Guto Melo disse...

Querida, eu é que agradeço. Tenho enorme prazer em falar sobre essas coisas. E sua participação é sempre bem-vinda!

 
Às 6:56 AM , Anonymous Anônimo disse...

Na verdade, no final resta apenas aquelo que realmente somos...
Abração

 
Às 5:13 PM , Anonymous Anônimo disse...

Guto, adoro Memórias de Adriano.
E como não tenho mais o que dizer sobre isso, deixo um trechinho de "A obra em negro", de Yourcenar.
Vale lembrar que o nome do livro é alusão à alquimia.

Beijos.

"O essencial era que suas libertinagens, assim como suas ambições, haviam sido, em suma episódicas, como se lhe fosse natural esgotar rapidamente o que as paixões podiam dar ou ensinar. O estranho magma que os pregadores designavam como o termo, de modo alguma mal escolhido, luxúria (pois bem que se tratava, parece, de uma exuberância da carne a exaurir suas forças), desafiava o exame pela diversidade de substâncias que o compunham e que, por sua vez, se fragmentavam em outros elementos poucos simples. O amor aí se incluía, talvez mais raramente do que se dizia, mas o próprio amor não era uma noção pura. Esse mundo dito de baixo se comunicava com o de mais tênue na natureza humana. Assim como a mais crassa ambição era ainda um sonho do espírito que se esforça por harmonizar ou modificar as coisas, a carne em sua audácias fazia suas as curiosidades do espírito e fabulava como lhe aprouvesse fazê-lo: o vinho da luxúria extraía sua força dos sumos da alma com a mesma destreza de que se valia para sugar os do corpo".

 
Às 2:38 PM , Blogger Raimundo Neto disse...

Uma das minhas paixões: Marguerite!

Excelente livro!

 

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