sábado, março 17, 2007

As Rosas Falam

Não é querer imitar a rosa, nem desmerecê-la. A rosa é bonita porque desabrocha e murcha. Não dá a rosa pra ninguém porque só serve pra ele. Egoísmo inevitável que o protege.

Elias é estranho porque sente só pra si, não por desejo, mas por despreparo alheio. Vive de guardar verdadeiras explosões porque do lado de lá o que se assimila é disputa, utilitarismo e um jogo de ir contra que não é nada lúdico. De vez em quando Elias derrapa e diz que chora ao ler um conto de Clarice. Ele se desmonta, com o prazer de se ver mole, entregue, e em troca colhe ainda que secretamente o tapa da desinteressante certeza de que sua moleza não serve. É o trôpego de seus teores.

E foi feita mesmo para não servir. E foi feita rosa não submissa, com fragrância estúpida e nobre. Para ser recusada por ouvidos e narinas. E são muitas as rosas que Elias mastiga; com elas ensaboa a pele e pinga pétalas de cheiro em seus olhos. Rosas sem ensaio, sem vestígios – as flores menos mortas que existem.

Ele mesmo assombrado, queimado pela tocha do desassossego, não pode se separar dessas flores. Quando umas perdem a chama, outras nascem; também não ousa exaltá-las, para que elas não o persigam. Basta que o habitem. Já pensou muitas vezes em jogar todas elas fora, no lixo, sem ao menos embrulhá-las. Dar-lhes um fim triste, por teimosia, medo ou vingança. Pois as rosas que tem o revelam demais, descortiçam o abominável, a suprema essência da qual não se escapa. E Elias vira um garrancho, um borrão vivo, besta por se reconhecer mais uma vez principiante.
Por todas essas rosas delicadas e descorteses... a sua aceitação está nos mares, nas espumas das ondas. É para a garganta azul e salgada que Elias carrega as flores, em todo o corpo e em todo espírito. É por isso que não dá, nenhuma sequer. Porque um dia entende querer dar todas; porque já disse – outras nascem. E dar todas – e outras nascem – e dar todas – e outras nascem – e dar todas – e outras nascem... E nele, renovação de rosas ser ofício de poeta.

19 Comentários:

Às 7:56 AM , Blogger Raimundo Neto disse...

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh, vc tinha que mencionar a Clarice? Tinha.
Não é o só o Elias não, que vive isso tudo.


Rapaz, suas palavras me pegaram de jeito. E não sou de gastar palavras e comentários á toa: EXCELENTE.

Se eu volto aqui? Ruuuuum!

 
Às 10:44 AM , Anonymous Anônimo disse...

Não conhecia esse Guto.
E gostei.
Vou ser sincera, li duas vezes de tanta lindeza.
Elias,cheio de poesia, é quase um poema.
Lindo,Guto.
De verdade e sem mentiras sinceras.

 
Às 7:34 PM , Blogger Flavio Vaz disse...

Guto, obrigado pela dica. Depois vai no Expurgação e assista o vídeo que postei, hehe. Abração.

 
Às 7:41 PM , Blogger KahSilva disse...

Lindo e doce!Rosas não falam?Quem disse?Quando as palavras nos faltam,falam elas por nós.Perfumadas sua letras.Um beijo e linda semana!!!

 
Às 9:23 PM , Anonymous Anônimo disse...

As rosas são pisoteadas sem dó. E elas sangram caladas para não assustar os brutos.Pois deles podem partir fagulhas que queimam o íntimo da alma. E elas falam, gemem, choram. Mas depois se enchem de coragem e, mesmo machucadas, se fingem de fortes, arrepiam os espinhos, se escondem no outro lado da colina. E vão arrumando as pétalas machucadas, colando-as uma a uma. Mais tarde, com certeza, ressurgirão brilhantes e cheias de vida. Assim deve ser.

 
Às 1:26 AM , Anonymous Anônimo disse...

Guto:

Retribuí tua visita por curiosidade para saber como você ouviu falar do meu obscuro blog. Infelizmente neste momento, nesta semana estou meio mal. Cosegui entender mais ou menos o teu conto mas precisaria ter concentração, que me falta, mas vai voltar e aí eu volto ao teu Elias e suas rosas.
Obrigada mesmo pela visita.

 
Às 3:42 AM , Anonymous Anônimo disse...

De tão leve seu texto.. pétalas de rosa estão voando trazidas pelo vento.

Beijos

 
Às 5:59 AM , Blogger Jana disse...

SAbe, eu tenho uma coisa estranha... Nunca fui lá muito fã de rosas..

Beijos

 
Às 6:03 AM , Blogger Chris disse...

qual é a cor da rosa?

 
Às 8:21 AM , Blogger Beatrice disse...

Quem é que não guarda um Elias bem escondido dentro de si? E quem não se derrete com Clarice? Eu mantenho as rosas sobre a mesa, para que por vingança, elas sejam obrigadas a me aturar, sempre passando por elas com um suspiro diferente.

 
Às 10:09 AM , Anonymous Anônimo disse...

Muito bom o texto. Poesia diferente.
Prá dizer que não falou de flores...

 
Às 11:59 AM , Blogger Unknown disse...

eu só tenho medo das que vêm sem espinhos.

 
Às 4:09 AM , Anonymous Anônimo disse...

, "ofício de poeta" que assim seja... e vive com as "rosas sem ensaio, sem vestígios" ...
, agradecido pela visita em quimeras. volte quando desejar...
|abraços meus|

 
Às 7:21 AM , Blogger Vica disse...

Olá! Obrigada pela visita! Adorei teu blog.

 
Às 10:19 AM , Blogger Flavio Vaz disse...

Guto, muito bom texto, leve e singelo como os outros teus que já li. Por falar nisso, depois do vídeo tosco que postei, o post seguinte é completamente diferente, você que também é chegado a letras, leia e dê sua opinião, quero ler o que os outros vão achar dele. Abração.

 
Às 7:36 PM , Blogger Paula Negrão disse...

"Bate outra vez com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão enfim
Volto ao jardim com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar para mim
Queixo-me às rosas, mas que bobagem as rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti, ai
Devias vir para ver os meus olhos tristonhos
E quem sabe sonhava meus sonhos por fim."

Cartola



beeeijo

 
Às 4:43 PM , Blogger Jane Malaquias disse...

Ai minha flor de mandacaru!

 
Às 6:08 PM , Blogger Guto Melo disse...

Uhhh, uhhh, mandacaru!!!

 
Às 2:22 AM , Anonymous Anônimo disse...

Por que nao:)

 

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