sábado, novembro 10, 2007

Uma fronteira para o grito


Inseguro entre o céu e a estepe, suspenso num fluir de roda gigante, embebido na minha nostalgia de centauros, eu devoro pedaços de musgo e raízes de plátano, estendido em jardins intermináveis onde se modelam arcanjos. Teria sido muito mais fácil escrever cartas de amor, para serem estendidas ao longo das estradas e pelas paredes dos tribunais - são inúteis para a vida, porém, estes poucos instintos que lentamente se devoram uns aos outros - sobra-nos apenas uma memória de fugas de amantes, a grandeza do gesto de um epiléptico, a solidão profunda dos grandes sedutores. Há sonhos, porém, que nos acometem com uma simetria de gaitas-de fole - há também a necessidade de escrever testamentos, sempre obscuros, insultando os jardineiros das praças públicas, e aqueles que comem hóstias com uma regularidade de aranha e armazenam pontas de cigarros em cofres de aço, temerosos da posteridade. É absolutamente necessário, também, conclamarmos à união os famintos de santidade, os guardiões de serpentes e domadores de circo, os exploradores dos subterrâneos das pontes e viadutos, os exilados voluntários, para partirmos juntos em busca da inviolável liberdade dos caminhos seguidos ao acaso, e da verdade contida nas escadarias, pórticos, e paredões desabados.

Texto - Cláudio Willer
Imagem - O Grito, Edvard Munch

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5 Comentários:

Às 7:11 PM , Blogger Unknown disse...

Texto porreta esse. Bem escolhido. Quanto a ilustração, esse quadro é espetacular. Um vez o Millôr Fernandes, através dele, resumiu a agonia dos últimos dias do papa João Paulo II. Abraços.

 
Às 2:03 PM , Anonymous Anônimo disse...

Guto, sabe a sensação?
Que eu estava lendo Drummond, Hesse e eu mesma nesse texto.
Uma mistura meio maluca, eu sei.
E um comentário nada modesto, o meu. Mas há frases ali que parecem ter saído do meu peito, pro meu dedo. Há trechos em que eu vejo Drummond, em Congresso Internacional do Medo. Em outros eu vi Hesse, meio vestido de lobo, meio vestido de Demian.

Socorro!

Acho que estou surtada. Não repare (de novo).

Beijo meu.

 
Às 2:04 PM , Anonymous Anônimo disse...

Texto muito forte e bom!!!

 
Às 9:10 AM , Blogger Claudio disse...

Texto preciso. Imagem corretíssima. Ligação entre um e outro muito bem costurada.
Nota 10!
Abração.

 
Às 12:21 PM , Blogger Jasmim disse...

pois é, este quadro é arrepiante
Até breve

"De tanto ver crescer as injustiças, de tanto ver aumentarem as nulidades, de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, rir-se da honra, ter vergonha de ser honesto." - Rui Barbosa

 

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