quarta-feira, novembro 14, 2007

Canção da América que não toca na rádio


América! Venha caber nos sonhos que os braços dos homens sejam capazes de levantar. Pois cedo a alma canta, mas para muitos o império se despedaça antes de qualquer vislumbre de esperança. A pedra, a areia, o reboco, todos os deslocamentos urgentes, a fuga da casa hostil. América, perceba a qualidade dos pelejadores que pisam em seu solo ácido, veneno para os pés, e não podem sequer fingir a ausência do crime em seus caminhos. Não por serem incapazes, mas por não possuírem o direito.

As suas bandeiras são de grana e posse. Labor e selvageria. Pedem por alento aqueles que não pretendem viver para esquecer-se. A aurora é o riso dos céus, a alegria dos campos. Portanto, América, seus vestidos rogam outras estamparias, mais finas e coloridas, expressão de um pano menos irritante. A pele nossa de cada dia é uma oração golpeada pelo machado do tempo, avessos incontroláveis, expedições inacabadas.

Há em suas delícias um quê de perversão. Nas promessas que ventila, armadilhas se tecem. Acreditar é uma exigência de seus dias; ofertar, um refúgio interessado. América, América! Tome tento que a irmandade, o auxílio forte, a gentileza, o abraço acordado – quente ou quase – as mais enérgicas manifestações de solidariedade, são cuspes de sua retórica.

E não é porque nos invade que devemos ser tristes em suas mãos. E nem o brilho de toda a tecnologia será capaz de provar que para cada partícula de alma existe um cobertor de lã. A ciência não vê além do binóculo, desperta a sede por cura prudente. No mato, América, existe tanto mistério! Mas a sua marcha avante engole florestas, destrói sabedorias, consome indícios caboclos para cada vez mais fazer fumaça.

América do leite com soda cáustica. América do desacato à soberania em busca de petróleo. América que finge ter compaixão de aidéticos africanos. América que produz diversos rios de corrupção, sem margens e com córregos caudalosos. América que usa moeda e idioma como mecanismos de tortura. América do cacete da polícia na fuça de quem ocupa as ruas para gritar: não somos mais América! América que nos deu o câncer como herança, medo e banalidade. Não queremos nem a pena, nem a punição, nem a glória bandida. Estamos prontos, para o que der e vier, sempre e alertas. Será tão difícil assim ouvir o nosso espírito?

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9 Comentários:

Às 6:37 PM , Blogger Ana Nogueira Fernandes disse...

nossa, perfeito! a linguagem, os temas.. adorei!
beijos!

 
Às 5:57 PM , Blogger Unknown disse...

Isso ficou muito bom Guto.Parabéns. Realmente é uma canção que não é tocada nas rádios... Abraços

 
Às 9:02 PM , Blogger La Maya disse...

Muito bom o texto Guto. Que América difícil essa nossa, que ainda é capaz de pensar em feriado e esquecer o significado de tudo isso...

Meu post foi inacreditavelmente curto mesmo! Dois motivos: ando relendo textos antigos meus e resgatando trechos que têm a ver comigo agora. O outro: ando meio irritada até com a net, e quando estou nessa fase, os textos geralmente ficam curtos e espaçados. Mas passa. E são justamente essas oscilações que acabam trazendo o equilíbrio.

Bom, às vezes não...!

Beijos e bom fim de semana!

 
Às 12:48 AM , Blogger Unknown disse...

Olá Guto. Tem um MEME pra você no meu blog. Abraços e bom domingo

 
Às 10:45 AM , Anonymous Anônimo disse...

Guto.
Nada a dizer, só deixo um beijo.

 
Às 11:17 AM , Blogger Guto Melo disse...

Querida, obrigado pelo carinho.

 
Às 10:42 AM , Blogger Valerie disse...

Muitas canções não tocam na rádio...
mas gostei da foto que vc colocou.

 
Às 9:31 AM , Anonymous Anônimo disse...

Meu caro Guto, parabéns pelo seu blog. Cheguei aqui, através do blog do meu amigo Caulus. Gostei do que vi. Sucesso!

 
Às 4:16 AM , Blogger Guto Melo disse...

Valeu, Pedro. É sempre bom ter gente nova por aqui. Volte sempre.

 

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