quinta-feira, agosto 21, 2008

A luz de Tieta

Todo dia é o mesmo dia
A vida é tão tacanha
Nada novo sob o sol
Tem que se esconder no escuro
Quem na luz se banha
Por debaixo do lençol...

Nessa terra a dor é grande
A ambição pequena
Carnaval e futebol
Quem não finge
Quem não mente
Quem mais goza e pena
É que serve de farol...

Existe alguém em nós
Em muitos dentre nós
Esse alguém
Que brilha mais do que
Milhões de sóis
E que a escuridão
Conhece também...

Existe alguém aqui
Fundo no fundo de você
De mim
Que grita para quem quiser ouvir
Quando canta assim...

Toda noite é a mesma noite
A vida é tão estreita
Nada de novo ao luar
Todo mundo quer saber
Com quem você se deita
Nada pode prosperar...

É domingo, é fevereiro
É sete de setembro
Futebol e carnaval
Nada muda, é tudo escuro
Até onde eu me lembro
Uma dor que é sempre igual...

Existe alguém em nós
Em muitos dentre nós
Esse alguém
Que brilha mais do que
Milhões de sóis
E que a escuridão
Conhece também...

Existe alguém aqui
Fundo no fundo de você
De mim
Que grita para quem quiser ouvir
Quando canta assim...

Êta!
Êta, êta, êta
É a lua, é o sol é a luz de Tieta
Êta, êta!...

Caetano Veloso

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domingo, agosto 10, 2008

Paredes derretidas


Acendeu a lâmpada, com viva esperança. Acendeu com classe, com o estalar das horas o animando, a ponto de não saber mais marcar o tempo. O relógio tornou-se nada, pois a luz que viria daquela manga de vidro roubara todos os seus olhos. Foi um simples acionar de botão, um disparo automático do dedo. Mas o ambiente permaneceu escuro. Não, a lâmpada não estava queimada. Tratava-se de um borrão da imaginação.

Decidiu então plantar uma árvore. Semeou com semente encontrada ao acaso, quando passeava pelos vãos de outras árvores. Logo viu o tronco se fazer robusto, as ramificações se insinuando como mãos dançarinas. A árvore cresceu rapidamente e ganhou altitude respeitosa. O semeador promoveu uma festa, chamou todos os amigos, escancarou a janela. A exibição daquela arte que brotou da terra seria um determinante máximo de vida. Todos em seus postos, ela não estava lá. Com os olhos cheios de sobressalto, o semeador dirigiu-se a um senhor que o ajudou a regá-la. Arrumou uma trouxa de raízes e foi-se embora para outro solo - disse o homem.


Sua próxima tentativa foi abraçar as paredes de casa. Ficou meses em busca de um jeito. Primeiramente, esticou os braços, depois o corpo inteiro, tudo bastante inútil. Comeu demais, engordou um pouco, afastou alguns objetos. As paredes ali, paradas em sua função. Descobriu, então, uma técnica especial para derretê-las. Moles e mornas, poderia abraçá-las. E assim foi feito. Este homem passou a ter o peito repleto de felicidade, porque agora poderia viver com paredes derretidas em seus braços.

Imagem – Jean Michel Basquiat, sem título

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