quinta-feira, julho 31, 2008

Nu em sol

Mundo aceso
Venta campainhas
O toque da ida
A vida nos termos
Do som de um anjo
Trim de auréolas.

A cada palavra cantada
Serei rei serei rei serei rei
Em toda vida cantei
Para aqui estar exatamente:
Solto em lá, nu em sol.

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terça-feira, julho 22, 2008

Piratas para sempre


Como não poderia deixar de ser, a internet também é campo para o bom e velho ersatz, que alguns, inclusive a Justiça, preferem chamar de falsificação. Neste mês, por exemplo, o site de leilões eBay foi condenado por um tribunal francês a indenizar a Louis Vuitton em 40 milhões de euros (cerca de R$ 100 milhões). Motivo: a realização de leilões on line de produtos falsificados da Vuitton e venda sem autorização de produtos legítimos.

Mas a pirataria é antiga, Vuitton. Piratas, sozinhos ou em grupos, cruzavam os mares desde o século VIII a.C para sacar navios, assaltar povoados e, dessa forma, tornavam-se ricos e poderosos. Homero, em sua Odisséia, lançou o termo, que hoje serve para designar qualquer CD ou DVD que se copie em casa. A lógica continua a mesma, já que informação ou status são signos de poder. Os piratas modernos interceptam determinadas rotas para se enriquecer culturalmente, erguer uma bandeira de sofisticação ou realizar qualquer feito que dignifique o delito a serviço do acesso. Afinal, o acesso é constantemente dificultado, ou mesmo negado, pelos grandes patrões. Eles detêm a tecnologia de produção e distribuição; os piratas, além da tecnologia, possuem a manha de permanecer ocultos.


No mais, há uma canalhice que precisa ser dita: a indústria falsifica a si própria. Produtos sintéticos vendidos como se fossem de couro... Semana passada, comprei um super-bonder para colar um chaveiro que não passou uma semana colado, e por aí vai. Nós piratas somos mais honestos e, enquanto a Justiça multa, a História prevalece.


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quarta-feira, julho 16, 2008

O silêncio e a navalha


Estavam todas felizes, risonhas, palavras saltitantes em bocas carnudas mesmo quando tinham os lábios finos. O assunto era a vida de todos, mas não se tratava de fofoca. Uma celebração acontecia, uma exaltação da alegria de viver, da doçura em estar desperta e atenta ao que se oferece. Vivian, filha de Rosa, já estava fazendo um pão de abóbora melhor que o da mãe. Joísa esperava um bebê, para a glória rechonchuda de Henriquieta. Finalmente, avó! A flacidez da bochecha chega desaparecia.

Deda dava as boas do marido, que respondia bem ao tratamento contra o alcoolismo. Três meses sem uma gota, nem parecia verdade. Falava enquanto metia a tesoura no cabelo de Chicória, a única para a qual olhavam com certo estranhamento. Ela havia deixado o seu homem, tão cobiçado por todas, tão elogiado pela fineza e educação. Carlinhos, além de sempre sorridente e amável, era cheiroso, fazia as unhas, passava creme para hidratar a pele seca. Quem seria louca de deixar uma raridade dessas?

Chicória. Não só o deixou como o sepultou. Para todas que se aproximavam, querendo bulir em seu íntimo, dava a mesma resposta: o silêncio. Ninguém conseguia arrancar uma mínima confissão. Seguia a conversa animada, vez em quando um rabo de olho para Chicória, indagativo, perscrutador. Deda caprichava no visual da mulher que um pio não dava.


Um estrondo se ouviu na porta. O marido de Deda havia tido uma recaída e gritava pelo dinheiro da mulher. Deda dizia não dou e levava um bofetão no rosto em resposta. A essa altura, todas já tinham se picado dali. O homem insistia, gritava e batia até que a palavra dinheiro foi interrompida pela navalha que atravessou a sua jugular. Podemos voltar ao ponto onde paramos? – perguntava Chicória, segurando o instrumento que sacara do assoalho.

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quinta-feira, julho 03, 2008

Maria e Zach

Maria Antonieta, de Sofia Coppola, é um filme que pretende se diferenciar de outros filmes de época - a própria cineasta considera filmes do gênero “distantes e aborrecidos”. Sendo assim, opta por focar menos os elementos históricos e mais o choque vivido pela arquiduquesa austríaca ao chegar a Versalhes, ainda na fase da adolescência, para quatro anos mais tarde ser coroada rainha da França. Até aí nada demais. A opção de Coppola poderia ter sido interessante se a tintura pop, que funcionou bem em Virgens Suicidas e Encontros e Desencontros, não contribuísse desta vez para encolher a personagem e tornar o filme menos complexo e um tanto enfadonho.

O filme tem um bom começo, com a partida de Maria Antonieta. Ela deixa a Áustria para se casar com o delfim francês Luís Augusto, futuro Rei Luís XVI, e dessa forma selar a aliança entre os dois países. Na corte, mergulha em um ambiente repleto de rituais inúteis e gente maledicente, tendo dificuldade para se adaptar. Como sua principal função é gerar novos Dauphines, algo que demora mais de uma década para acontecer, Maria Antonieta se torna vítima de piadas e sua permanência na corte é o tempo todo ameaçada. Insatisfeita e solitária, ela cria um mundo à parte, regado à diversão e fantasia, para poder suportar a chatice e a rigidez de Versalhes.

A personagem parece robusta em seu silêncio protetor, na forma subterrânea como processa seu desencanto e fabrica instantes de alegria. No entanto, vai perdendo força ao longo da história. Se de fato, Maria Antonieta organizava eventos em seu Petit Trianon e era chegada às festas parisienses (gastou horrores em vestidos e na manutenção de seu palácio), por outro lado se interessou por filosofia, política e história, mostrando curiosidade por questões de Estado. No filme, a correspondência com a mãe é meramente um pretexto para reforçar a falta de garantia de seu posto, contudo poderia ser um modo de realçar seus dilemas juvenis. Mas o filme morre mesmo é no final, ao dispensar três elementos que certamente dariam mais intensidade à proposta da autora: Maria Antonieta perdeu seus filhos, foi acusada de incesto e carregada para o local de execução dentro de uma gaiola. Nada disso foi mostrado. Para completar, a trilha sonora não ajuda a personagem a crescer. Ao contrário, cria um ruído que a encolhe.

Crazy – Loucos de Amor, um filme com estética igualmente pop – funciona. A trilha, diferentemente da de Maria Antonieta, vai além da ilustração e se transforma em um componente da narrativa. A cena do delírio de Zach, na igreja, ouvindo o coro a cantar Sympathy For The Devil enquanto ele levita acentua, ao mesmo tempo, as inquietações da personagem e sua necessidade de libertação.

A presença constante da música, outro momento é Bowie no quarto de Zach, nos remete à imagem do disco quebrado, que tem o mesmo título do filme e da família. C.R.A.Z.Y é formado pelas iniciais dos irmãos - Christian, Raymond, Antoine, Zachary e Yvan. Em torno de um ponto central, o filme parece afirmar que aquela família “maluca” é uma espécie de disco quebrado que continua tocando.


Esse disco toca o sofrimento vindo da não aceitação, a repressão como um algoz da alegria, a incomunicabilidade entre pessoas que verdadeiramente se amam, a capacidade de renúncia como um ato de generosidade. E toca um hit-indagação: é possível amar a ponto de entregar algo que não se tem para dar? E um outro, refrato: a homossexualidade de Zach é mais uma perturbação do que uma vivência física, enquanto a recusa do pai em conformar-se com um filho gay é muito mais algo concreto que uma perturbação. E depois ainda dizem por aí que dois bicudos não se beijam.

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