Das veias de uma mulher
Todos os objetos que aparecem são pessoais e o sangue mais parece a intimidade que escorre. Um dos pedaços de pano mostra o seu rosto abortando angústias medonhas. Ao lado, o sangue pinta frustrações no tecido e logo após cristaliza. Ela recebe o olhar do público como uma compensação, já que não pode doar sangue por pesar menos de 50 quilos. Mostra-se assim não sem receios, mas confia que suas apresentações a deixam mais e mais saudável.
No ato, ela mistura o líquido vermelho com água para amolecê-lo e obter mais consistência. Daí detona um traçado firme e impulsivo, em linhas sinuosas ou retas, transfigurando o rosto estampado nas estopas. Ela se faz santa e diaba sem intenções, apenas entra e fica à vontade. Em questão de poucos minutos, seu sangue muda de cor, escurece e se aproxima do marrom. Seca.
Antes de decidir se expor, ela fez tudinho em casa. Prestou atenção no cheiro, tinha medo de dar bicho. Sim, medo de ser podre, de todos perceberem, de ser denunciada pelas moscas. Mas os olhos da platéia querem mais é se perfumar com a beleza de sua entrega. No meio do povo, alguém ousa filmar a sua apresentação. Ela já é desinibida, não se importa. Algumas semanas depois, o moço a encontra no mesmo lugar onde tudo aconteceu. Miram-se e cumprimentam-se com timidez. Ele tira uma fita da bolsa e a presenteia. Era a santa, a diaba e quem mais coubesse prolongando o seu momento. Era a memória de sua exibição.
Marcadores: Camada fina de metal sobre o espelho, Crônicas despenteadas