quinta-feira, novembro 30, 2006

O Próximo Post

Eu sou volúvel, inconstante. E acho que a forma mais honesta de lidar com a coisa é assumi-la. Como acredito na liberdade, sempre penso que no mundo haverá espaço para eu ser o que quiser ser. Então, tem horas que estou doce, alegre. Aí eu salto. Em outros momentos, sinto raiva e tormento. Jogo pra fora, despejo. Tédio, tristeza. Deito um pouco. E vai assim, correndo os dias em que transpiro porque tudo o que sinto me aquece.

Nestas pouco mais de três décadas de existência, uma das coisas que desaprendi foi me iludir. Talvez uma das maiores perdas que tive na minha jornada até aqui. Todo mundo precisa de um pouco de engano, subterfúgios, pretextos, evasivas, em uma medida ou outra, para tornar menos doloroso e amargo o algo não muito agradável que a vida de vez em quando nos traz. Eu sabia os passos dessa dança até um tempinho atrás. Hoje, piso no pé de todo mundo. Voltei a ser criança.

Há algumas horas eu ouvi de alguém muito importante para mim que “eu pioro as coisas” quando abro a boca para falar. Eu odeio brigar e ando brigando muito. Deve ser porque ainda não aprendi direito o que vale e o que não vale a pena na minha vida. Chorei um choro preso. Acreditei naquela fala que coloquei para ela de forma dura, sem freios. Via em tudo legitimidade, independentemente de razão. Aliás, não se trata de certo ou errado. Mas apenas de sentir.

Às vezes também penso que expressar de forma explícita nos revela demais. Daí, a necessidade de evitar, de manifestar o desejo de não ouvir. Assim, é mantido um mínimo de mistério, de charme. E eu, na contramão, continuo dizendo, tocando em pontos inacessíveis, ou em outros em que não há muita afeição, ou mesmo em dores que devem ser esquecidas. Faço isso inclusive comigo. E faço movido (e acredito nisso como um tolo ou como um demônio) por amor. E o meu amor é uma energia que parece não se gastar nunca.

Pois é, quem sabe eu não sou isto – um demônio amoroso. Alguém vermelho demais, um pouco tosco, mas ao mesmo tempo sereno e aberto. Leve, tranqüilo. Puto-encapetado. Carinhos, dengos, surtos e cismas. Lambidas, beijos, socos e traumas. Loucuras do bem, loucuras do mal e loucuras sem pé nem cabeça. Desatino feroz, monstruosidades, fantasia, brilhantismo. Se tudo cabe, tudo pode.

Eu poderia acabar este texto agora. Mas não consigo. E não consigo porque meus dedos estão trêmulos. Enquanto eu não parar de tremer eu vou bater nestas teclas. Vou surrá-las até a minha mente sangrar. Escrever, escrever para me canibalizar na própria escrita. As palavras me doem, me coçam, me incentivam. Elas não me iludem, portanto são o que resta de simpático a mim.

Como conter meu ímpeto? Se me calo, me açoito. Tento me comover com o silêncio. Mas ele é uma vara delgada que me dilata o estômago. O silêncio me dá gastrite e cólica...

Uma mão toca o ombro de Artur, que imediatamente pára de escrever o próximo post para o seu blog. É a mão de Malu. Acabara de chegar do Beco das Ranhuras – um lugar onde tudo é feito de madeira estriada. Visitava o beco de vez em quando para escapar um pouco da vida fingida que levava. Tinha fome. Não sabia bem o que queria comer. Comeu a sexta e a quarta corda do violão do seu amado e começou a cantar o que sentia em uma nota não muito fácil de identificar. Não dava para perceber muito bem se era um canto desafinado ou um canto novo. Mas era dedicado a Artur, ao amor e à liberdade.


Depois de ter cantado bastante, Malu foi para cama e se deitou nua e meio encolhida. Engasgou-se com os acordes que não conseguiu dar. Produziu belíssimas dissonantes, primorosas diminutas e foi adormecendo lentamente. Artur via aquele sossego todo sem entender nada porque, para ele, a mão de Malu ainda estava repousada em seu ombro.

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sábado, novembro 25, 2006

Peixe com Coco



Clara Nunes em todo o seu esplendor. Abaixo, a letra da canção composta por Alberto Lonato, Josias e Maceió do Cavaco.

Refrão
Terezinha mandou convidar
No domingo vai dar um jantar
Terezinha mandou convidar
No domingo vai dar um jantar
É um peixe com coco eu vou lá
É um peixe com coco eu vou lá
É um peixe com coco eu vou lá
É um peixe com coco eu vou lá

A pinga vem do alambique
Valdomiro foi buscar
Terezinha na cozinha
Um peixe com coco tem bom paladar
É um peixe com coco eu vou lá

Antes do peixe tem tira gosto
Tem sardinha, tem ostra e atum
Tem manjuba, mexilhão, marisco
Tem agulha frita, siri, guaiamum
É um peixe com coco eu vou lá

Refrão

No tempero tem salsa e tem cheiro
Cebolinha, tomate e limão
E tem alho, pimenta do reino
Tem coco, dendê, suco de camarão
É um peixe com coco eu vou lá

No final já de barriga cheia
O partido vai continuar
Todo mundo afroxando a correia
Cantando e sambando até o sol raiar
É um peixe com coco eu vou lá

Refrão

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quarta-feira, novembro 22, 2006

Ter um Filho

Eu ainda não sou pai. E não sei dizer até que ponto eu quis ter um filho. Mas vejo filho como uma maravilha, uma especialidade. Algo que pode ser feito sem ter de se lançar mão de grandes esforços. Pode acontecer preguiçosamente, na delícia do corpo estirado. Sem a paranóia da espera, embora se espere. Em perspectiva franzina, em gozo não reticente, iluminado pelo sol da entrega.

Se tivesse um, eu me enrolaria com ele pelo chão da casa e me empapuçaria todo dele, do odor dele, da saliva, seus impulsos, sua alegria anfitriã. Como estou em Brasília hoje e posso ter um rebento candango, poderíamos nos estampar na grama como dísticos a sorrir metáforas para o universo. Deixaria que ele me arremessasse ao espaço com a fúria de quem nasceu recentemente e não sabe muita coisa sobre o mundo. De olhos arregalados, o pequeno monstro me engoliria com seus tentáculos de invenção.

Minha mulher vai fazer 44 anos no próximo sábado. Ela também nunca foi mãe. Leu em algum canto que as grávidas com mais de 40 tem quatro vezes mais chances de chegar aos cem anos. Seu plano de longevidade tem como meta os 120. Ter neném a essa altura pode dar uma força e tanto. E olha, minha anima vagula, não é nada vagabunda essa super renovação. Quem sabe o Deus-gameta atende a tua fantasia.

Mas desejo não basta, suponho. Tem de haver uma oração daquelas. A sábia ignorãça de Manoel de Barros nos dá uma dica de fé: “No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: eu escuto a cor dos passarinhos. A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som. Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira. E pois. Em poesia que é voz de poetas, que é voz de fazer nascimentos – o verbo tem que pegar delírio”.

O verbo, no caso, é engravidar.

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sábado, novembro 18, 2006

Rir Nem Sempre é o Melhor Remédio

Diante da mesquinhez de espírito, da inveja, preguiça, vaidade, canalhice, baixeza, mentira e covardia daqueles que são brochas de atitude e gozam com o pau dos outros, rir nem sempre é o melhor remédio.

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Lobo Homem do Lobo

Amor em baixa

Telha de pato na cama
Sonho de avestruz no porão
Vaca sangrando na mesa
Disfarce de pavão pro carnaval

Culpa em alta

Lance de sapo escapando
Erro na mosca inotável
Coelha fingindo orgasmo
Tartaruga na velocidade do medo
Caspa de leão não tem jeito
Juba de lesma ironia
Gato de lebre de barata
De lepra de tigre bengala

Paixão em média

Caroço de gazela na parede
Garfada de anta armadilha
Galinha ciscando em terreiro sem dono
Poeira de minhoca no rio seco
Ventana tubarão mar em epilepsia
Ouriço cantando de porco

Amizade em preto e branco

Tainha aos montes sinais
Polvo de caralho sem asa
Beijo de aranha na rolinha
Cão de acordo com a joaninha
Hiena no coração-cemitério
Pescoço de girafa pé de cobra

Desafeto no gerúndio.

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Vômito ao Meio-dia na Avenida Guararapes

O vento que bate é um pulo
A sombra que nasce é veneno
O sol se levanta anêmico
O mar se agita pequeno
Maresia e dores e soluços e reticências
A rua que segue é vício de morfismo
A fé na vida não existe às seis da manhã
As carências não são pagas no caixa eletrônico
Os psicanalistas enchem o burro de mais neuroses
As ilusões não são como macaxeira e carne de sol
Fome e vontade e impulso e trilha aleijada
Roído o lote mesquinho que sequer me pertence
O choro que se pronuncia escapa
O riso latente se aloja no intestino grosso
A seriedade está em baixa na bolsa de valores
O humor também destrói
O espelho mostra uma caverna no meu rosto
O choro e o riso e o espelho e a caverna
As valas fétidas dizem meu nome
Em alto e bom som meu nome ganha esse cheiro
De todo o riso latente ali despejado
De toda a secura sólida-secular
De todo o arranjo plástico perversamente condescendente
De todo esse bolo fecal que ressoa dos tambores
De todo o frevo mirabolante e extremo
De todo baião rasteiro e embandeirado
De todo orgulho de ser o que não se sabe
De todo turismo de si mesmo
De toda voz insana e cega
As valas fétidas estupram meu nome.

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Licença Poética

Quando teus olhos absortos na espera
de vidros mais reais que a transparência, quando
pousar e repousar um novo e claro isso
sobre ela pedra,
já somaremos corpo e luz e, divididos,
água.

Quando, diremos três palavras. Tantas.
Não será pouco
o
que negaremos, lento sobre o lento,
mas já a mão é sábia e já um canário
imita o simples, sendo mais inteiro.

Gratidão é o meu nome, diz a fala. E
pouco a pouco pertencemos
ao segredo
que se derrama em mim e faz morrer
o que for pouco:
pede licença para ser pássaro.

O poema é de Rubens Rodrigues Torres Filho, poeta de Botucatu.

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quarta-feira, novembro 15, 2006

Tocando em Fumaça

Uma das coisas que mais me chamou a atenção quando fui ver Ascension, primeira individual do artista indiano-britânico Anish Kapoor na América Latina, foi a vontade dos espectadores de tocar nas obras, embora elas não tenham sido feitas para isso. Era uma espécie de tentação, de curiosidade pelo mistério que parecia emanar de cada trabalho. O aspecto imaterial e insondável que existe em Kapoor, ao meu ver, é o que gera esse desejo de chegar perto. Desejo fortalecido pelos truques emprestados da siderurgia e da arquitetura a criar efeitos que, além de desorientar a relação com o espaço, definiram em mim a sensação de que a qualquer momento eu poderia ser tragado por uma daquelas obras e desaparecer nelas.

A escultura Dividir foi a primeira experiência que fez os meus olhos vibrarem. Três toneladas de cera vermelha no chão dispostas como se viessem do fundo da parede e se abrissem em direção a quem está diante da obra. A cor e a perspectiva, instantaneamente, me ofertaram a cena do elevador de O Iluminado, de Kubrick. Aspecto puramente visual e inusitado, uma vez que não há intenção de terror psicológico em Dividir.

Na instalação Ascension, que dá título à mostra, uma coluna de fumaça em espiral sai do chão a uma velocidade de mais de 100 km/h até um equipamento colocado no teto. O imaterial, metaforizado pela fumaça, se transforma em material sob a forma de uma coluna, sustentada por uma estrutura aerodinâmica especial. Crianças pulavam ao redor da obra e despenteavam o seu traçado; pessoas jogavam pedaços de papel para ver se algo extraordinário acontecia. As interferências naturais produziam resultados encantadores. A coluna se decompunha, dispersava-se em névoa, em cortina, tornava-se frouxa. Uma pausa nos movimentos e ela voltava a se formar, num doce vaivém de montar e desmontar.

Impressionante também é Pillar – uma espécie de cabine em que o espectador entra e perde a compreensão de onde está. Confunde a distância, que se revela imprecisa; tem o impulso de apalpar a obra amparado em uma intenção fugitiva. Algumas pessoas tiveram medo de cair – acusavam tontura. Outras se nutriam, mais uma vez, da difícil ambição de atravessar a obra. Difícil pela consciência da impossibilidade do ato. Mas a vontade estava nelas como uma veleidade teimosa que o aspecto lúdico oferecia. Pois é como se Pillar fosse uma passagem para um mundo inexplicável e fantástico. E que só poderia ser bom, já que aquela tontura era sem náuseas, sem mal-estar.

Vale então fazer um registro (perdoem-me a digressão). Ultimamente, a interatividade vem sendo usada como pretexto fútil na arte contemporânea. É incômodo, no mau sentido, ver um trabalho como Dark Room, de Wang Youshen, ser colocado na 27ª Bienal de São Paulo como exemplo estético de “Como Viver Junto”, tema desta edição. A obra consiste em um estúdio fotográfico montado para que o público revele seus negativos, em preto e branco. É aquele tipo de trabalho que se autoproclama resultante do próprio processo, reivindicando um espaço em que artista e público compartilham a criação. Porém, pode soar demagógico na medida em que uma lista afixada na parede indica o passo-a-passo dessa interação. Ou mesmo, movido por laivos de aflição, forçar uma intimidade que não existe, o que torna a obra chata.

O prazer de ver Kapoor reside, entre tantas outras coisas, no fato de ele não pagar o mico da retórica visual nem utilizar conceitos para forjar a si mesmo. Nele, a insuficiência do discurso é substituída por uma tentativa de apontar rituais de passagem para o espectador. Talvez por isso insista em afirmar que não tem nada a dizer e que, se tivesse, seria um péssimo artista.

Ascension reúne outras cinco obras: Espelho Duplo, Íris, Quando Estou Grávido, Feridas e Objetos Ausentes e uma sem título. Fica em cartaz em Brasília até 7 de janeiro, depois de ter passado pelo Rio. Da capital, segue para São Paulo.

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Curtinhas sobre Kapoor

Kapoor é considerado um dos maiores escultores em atividade. É o artista vivo que assina a obra pública mais cara do mundo. Cloud Gate custou 23 milhões de dólares e está instalada no Millenium Park, em Chicago. A escultura é inspirada nas gotas de mercúrio e reflete de modo distorcido o céu, os prédios, as árvores, as pessoas e tudo o que está ao redor.


Em 2002, Kapoor ocupou o Turbine Hall da Tate Modern, em Londres, templo da arte contemporânea internacional, com sua gigantesca instalação Marsyas, de 250 metros de comprimento.

Participou da Bienal Internacional de São Paulo em 1983 e 1996 e de outras mostras internacionais importantes como a Bienal de Veneza e a Documenta de Kassel, na Alemanha.

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sábado, novembro 11, 2006

Amor de Psilídio

Certa vez a alma do genoma de uma bactéria foi seqüenciada. Da análise, foi colhido material para uma história lastimosa. Carsonella apaixonou-se perdidamente por Psilídio - um inseto desgraçado que vivia chupando a seiva das plantas. Da seiva, Psilídio extraía o açúcar, mas não os aminoácidos necessários à sua sobrevivência. Carsonella, apesar de contar com parcos genes, oferecia todos os aminoácidos que seu adorável inseto precisava e se tornou a simbionte mais dedicada do reino unicelular procariota. Psilídio, saciado, voltava para o pé de goiaba, desatinado de desejo.

- Quero sugar-te em teus bordos e tuas folhas, para que injetes em mim toda tua alegria. Então, enrolo-me inteiro com a tua doçura, fico verde e depois fagueiro e depois erótico.

A Goiabeira amolecia, menos por cair na lábia do Psilídio, e mais por estar impedida de desenvolver suas brotações, com seus galhos infestados, folhas encrespadas e impregnada de inseticida. O inseto, resistente ao veneno e cada vez mais cheio de vida, construiu células especiais para alojar a Carsonella em seu interior. Em troca, oferecia a ela o açúcar que roubava da Goiabeira. Carsonella se sentia protegida, segura, dentro de seu Psilídio fofo e bem nutrido. Assim, costuraram uma cumplicidade que parecia infalível, como deve ser em toda intimidade.

Um belo dia, Coleobroca apareceu pelas bandas do pomar onde estava plantada a Goiabeira que o Psilídio chupava. Enorme, com seus trinta e tantos milímetros de tamanho, assustou o miúdo Psilídio. Coleobroca fincava suas mandíbulas no tronco da Goiabeira, inventava ruídos surdos guturais. Era uma verdadeira larva-cadela! No chão, próximo à árvore, a serragem como lágrimas expectoradas de milhares de furos e aberturas que ali existiam.

Triste por não ser mais praga dominante, Psilídio perambula meio aflito e um pouco sonolento. Como o açúcar naquele dia não veio em grande quantidade, Carsonella também não teve o seu quinhão. No meio do caminho, uma tal de Xylella deu bola. Psilídio, com o pouco de energia que lhe restava, se aproximou da bactéria exuberante, na plenitude de seus 2.904 genes. Abraçaram-se, chamegaram e, em pouco tempo, Xylella invadiu o inseto e sem muito esforço expulsou a rival Carsonella. Esta, sem condição de produzir sequer a sua própria membrana celular, lutava para não morrer, torta, envergada pelo desterro do abandono.

Psilídio seguia risonho, saltitante. Sentia o odor de algo cítrico, possivelmente uma Laranjeira. Convidava Xylella para bailar e seguir adiante na vida. Do alto de sua tolice, não percebia que a goma de sua nova amada não entupia mais os vasos das plantas como antes, que suas regiões codificadoras de proteínas andavam meio debilitadas. Xylella era um ser que crescia lentamente e a sua exuberância à primeira vista disfarçava os genes do declínio, do ocaso. Aos olhos de Psilídio tudo era belo, sem a menor lesão de cor.

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A Invenção de um Pulo

A menina que pula
E pega o chinelo
Constrói castelo de rúcula
E come salada de drácula
E salta, e flutua, na sola
Do abdômen da rua
Desliza ladeira
Pelo paralelo piso pípedo
A menina que pula
Tem a alegria amarela
A mais bela alegria amarela
E roda seu corpo
E adora suar
Pelas brechas dos meios
Pelos fios das mechas
Dos becos instantâneos
A menina superastro
Artificial e sincera
Lança seus dotes gregários
Suas fontes notórias
De curvas-extensões
De si para lá de qualquer um
Pula naturalmente
Com a pena colorida
De braços dados com a vida
E com as pernas de quem a espera.

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Tempo de Estio

No início da tarde de ontem, passeando pela rede, assisti a alguns vídeos sobre o seqüestro do ônibus 499, na Via Dutra, altura de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. Imediatamente, me veio a lembrança do episódio com o 174, em junho de 2000, e toda a angústia que senti ao ver aquelas cenas tensas e reveladoras do despreparo dos policiais que faziam a operação de resgate. O tiro que acertou a cabeça da jovem Geísa ecoou pelo mundo e foi uma das imagens mais tristes e paralisantes que vi na vida. Havia o receio em mim daquilo se repetir. Saí de onde estava e fui baixar canções alegres.

Minutos depois ouvia Tempo de Estio, de Caetano Veloso. Com sua voz terna e firme, entoava um Rio repleto de ardor sereno, exaltação tranqüila, corpos e preguiça. Bateu um misto de saudade e repúdio: festas sinestésicas, leme à milanesa, êxtases, explosões, muro de casa com marca de bala, soldado do exército abrindo a porta do meu guarda-roupa e mexendo nas minhas cuecas, samba na laje, surtos de mãe, futebol, sinuca, sueca, feitiços e vapores, macia zona sul e subúrbio bafo quente - onde nasci e fui criado. O Rio é lindo, eu sei. De lá saí, há quase dez anos. Ao vê-lo de longe me arrepio todo e me esquento um pouco para a próxima dança.


Felizmente ninguém se feriu no 499.

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